
Plano do governo contra tarifas de Trump sobre Brasil tem riscos
- Economia
- 24/07/2025
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Com a aproximação da entrada em vigor das tarifas de 50% anunciadas pelo presidente Donald Trump sobre as exportações originadas no Brasil, a equipe econômica tem estudado medidas de contingência para aliviar os possíveis impactos negativos na economia brasileira.
Trump dá sinais de que as negociações podem não ocorrer. Na noite da quarta-feira (23), ele afirmou que “os países com quem não estamos nos dando bem pagarão tarifas de 50%”. A entrada em vigor da nova taxação está marcada para 1.º de agosto.
Apesar de dizer que o Brasil não sai da mesa de negociações e que espera avanços, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já reconheceu que a Casa Branca concentra as decisões em relação ao Brasil, dificultando um acordo. Segundo ele, o plano com as medidas compensatórias está pronto e será apresentado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na próxima semana.
Na visão de especialistas, ainda que haja consenso sobre a necessidade de agir com urgência para resguardar a economia, as medidas que têm sido estudadas pelo governo podem não só agravar o endividamento público, mas também se provar ineficientes no médio e longo prazo, gerando, inclusive, maior dependência e queda de produtividade.
Dentre as ações estudadas estão a criação de fundos específicos, oferta de linhas de crédito subsidiadas, flexibilização nas regras de contratação e complementação salarial pelo governo. Segundo Haddad, esses recursos não terão impacto sobre o resultado primário e, portanto, sobre a meta fiscal do governo, pois serão contabilizados como despesas extraordinárias. Apesar disso, terão efeito sobre a dívida pública.
João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), afirma que a escala do impacto previsto com o tarifaço — 2% do PIB brasileiro em exportações aos EUA, segundo a Goldman Sachs — sugere que os recursos no curto prazo podem ser insuficientes, caso não sejam feitos ajustes amplos. O cenário torna-se mais complexo no médio e longo prazo, quando a eficiência da estratégia se torna duvidosa.
“A dependência de verbas extras e dívida acumulada [pelo governo central] cria um ciclo insustentável, especialmente se as tarifas persistirem ou se expandirem a outros mercados — como a ameaça de 30% de tarifação da União Europeia. A falta de reformas estruturais, que visem o aumento de produtividade ou a diversificação de mercados, limita a resiliência econômica, tornando a estratégia um paliativo, não uma solução duradoura para o Brasil”, comenta.
Exportadores de perecíveis do Brasil estão mais expostos às tarifas de Trump
Na avaliação do tributarista Leonardo Roesler, caso realmente passem a vigorar a partir de 1.º de agosto, as tarifas de 50% sobre praticamente toda a pauta exportadora brasileira vão alterar abruptamente o horizonte de curto e médio prazo para a nossa balança comercial. E, por essa razão, o governo deve buscar ações para minimizar danos.
Ele avalia que, no plano microeconômico, é preciso priorizar as cadeias perecíveis, altamente dependentes do mercado norte-americano e com baixo poder de barganha nas rotas alternativas.
A indústria de pescados, que envia 70% da produção aos Estados Unidos, é um exemplo. O setor movimenta mais de US$ 240 milhões por ano e sustenta milhares de empregos familiares na aquicultura e na pesca artesanal. A ela soma-se a indústria de suco concentrado de laranja, por exemplo, cujo volume exportado para aquele mercado supera 40% da produção nacional.
Ambos os setores já observam navios especializados parados à espera de definição alfandegária. No setor de proteína animal, as perdas imediatas são estimadas em R$ 890 milhões. Ao todo, a CNA estima perdas de US$ 5,8 bilhões para o agronegócio.
Pacote contra tarifas de Trump sobre o Brasil pode cristalizar novos gastos
Diante desse choque externo, Roesler avalia que se torna essencial que o governo e a equipe econômica adotem um plano de contingência. Contudo, ainda que o pacote tenha mérito como colchão emergencial para preservar liquidez e emprego, é preciso garantir que tenha cláusulas de temporalidade, focalização setorial e porta de saída clara.
“Sem esses parâmetros, corre-se o risco de cristalizar subsídios permanentes, ampliando a rigidez orçamentária num momento em que a política fiscal já acumula pressões de transferências sociais indexadas e de despesas com a calamidade do Rio Grande do Sul em 2024, cenário que levou o mercado a revisar para cima a projeção de dívida e a exigir maior retorno nos títulos prefixados”, afirma.
Na sua opinião, o verdadeiro teste de eficiência estará na velocidade com que setores de alta exposição, como pesca, citricultura e proteína bovina, conseguirão recompor rotas comerciais e contratos de longo prazo sem dependência permanente do Tesouro.
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Crédito subsidiado ajuda no curto prazo, mas pode sufocar liquidez
Olenike, do IBPT, afirma que, embora as linhas de crédito a juros baixos possam aliviar o fluxo de caixa de empresas afetadas, especialmente as exportadoras de pequeno e médio porte, é preciso avaliar a capacidade de instituições como o BNDES ou outros bancos públicos em financiar sem comprometer a liquidez sistêmica.
Ele também questiona a estratégia de flexibilizar a contratação de mão de obra, com turnos mais curtos e complementação salarial pelo governo.
Apesar da redução de custos operacionais causada pelas medidas paliativas e a proteção dos empregos, ambas as medidas podem desincentivar a produtividade e gerar dependência em relação ao governo, criando um ônus fiscal indireto.
Classificação como gasto extra não impede pressão sobre dívida e Selic
Ainda que a classificação como “gastos extras” das medidas visando conter os impactos das tarifas para o Brasil respeite a meta fiscal formal, ela não impede repercussões sobre a dívida bruta do governo. Hoje o endividamento equivale a 76,1% do PIB segundo a última medição do Banco Central, de maio, e o próprio Tesouro Nacional estima que o índice vai passar de 82% do PIB em 2026 se nada for feito.
“Qualquer ampliação de passivos, mesmo via bancos públicos ou fundos extrafiscais, tende a pressionar o prêmio exigido pelos investidores, encarecer o serviço da dívida atrelada à Selic e, por conseguinte, reduzir o espaço para investimento público produtivo”, afirma Roesler.
Segundo Olenike, apesar da alegação de neutralidade fiscal, o aumento da dívida pública eleva o risco-país, encarecendo financiamentos futuros e pressionando a taxa Selic. “Isso pode desencadear inflação por demanda reprimida e desvalorização do real, afetando o poder de compra e os custos de importação, num efeito cascata que contraria o objetivo de socorro”, avalia.
Substituição de despesas seria mais eficiente que novos subsídios
Segundo Nelson Rocha, diretor da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra) e ex-secretário estadual de Fazenda do Rio de Janeiro, momentos extraordinários, como esses, pedem medidas excepcionais. No entanto, ele vislumbra que, diante da necessidade de gastos adicionais, outras soluções poderiam ser estudadas pelo governo, visando, por exemplo, à substituição de despesas.
Uma delas seria a recomposição dos estoques nacionais de alimentos e commodities, que se encontram desfasados desde a pandemia de Covid-19. Outra possibilidade, que demandaria um esforço de distribuição, seria a compra da produção agropecuária pelo governo e o repasse desses alimentos para a população. Para tanto, poderiam ser utilizados, por exemplo, recursos de programas sociais, como o Bolsa Família.
Na sua visão, esse tipo de medida seria mais bem-sucedido que as visadas pelo governo, que não garantem o ressarcimento dos recursos. “Você sempre vai ter uma despesa; eventualmente, algumas poderão ser ressarcidas como um empréstimo, ainda que com juros subsidiados, mas elas não serão ressarcidas na integralidade”, afirma.
Brasil deveria buscar canal direto com Casa Branca para reverter tarifas de Trump
Além das medidas de socorro estudadas pelo governo, o coordenador do Conselho Temático de Negócios Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Paulo Roberto Pupo, afirma que o esperado é que o governo abra negociações efetivas com a administração norte-americana, por meio de um canal de comunicação direto com a Casa Branca.
“Essa negociação precisa ser baseada em critérios técnicos e diplomáticos, deixando de lado questões políticas e ideológicas, com o objetivo principal de se estabelecerem diretrizes para a revogação das tarifas direcionadas para o Brasil. Ou, caso a revogação não seja possível até 1.º de agosto, que haja um pedido formal do governo brasileiro para a prorrogação por no mínimo 90 dias do início da vigência das novas taxas”, afirma.
Sem ajuste fiscal e diplomacia, conta pode cair sobre o consumidor
Andressa Gomes, especialista em gestão tributária na Fipecafi, afirma que medidas de compensação, diante das tarifas de 50% anunciadas, são válidas e necessárias. Mas ressalta que é preciso evitar que essas iniciativas se convertam, mais adiante, em aumento de carga tributária.
“Medidas de proteção são importantes, mas não se esgotam em si. Devemos encarar de frente e superar todas as negociações que envolvam eventual perda de receita para evitarmos futuras e expressivas arrecadações por meio de aumento de carga tributária, que já está em nível de estrangulamento do consumidor”, avalia.