
Trump pode fechar observatórios que monitoram atmosfera – 19/07/2025 – Ambiente
- Ciência e Tecnologia
- 19/07/2025
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A mais de 3.300 metros acima do nível do mar, cercado apenas por rochas negras, nuvens brancas e céu azul, o Observatório Mauna Loa está em um local perfeito para estudar a atmosfera.
O ar que circula ao redor deste posto isolado, localizado em um vulcão no Havaí, nos Estados Unidos, é uma mistura proveniente de todo o hemisfério Norte. Isso o torna um dos melhores lugares para medir gases de efeito estufa na atmosfera. É indispensável para cientistas de todo o mundo.
As leituras coletadas em Mauna Loa, iniciadas em 1958, foram usadas para criar o que é conhecido como a curva de Keeling. É uma linha ascendente que registra o aumento constante de dióxido de carbono nas últimas sete décadas —resultado da queima de petróleo, gás e carvão pelas nações.
Mas o orçamento proposto pelo presidente Donald Trump para 2026 acabaria com Mauna Loa, junto com outros três observatórios importantes e quase todas as pesquisas climáticas realizadas pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (Noaa, na sigla em inglês).
“É francamente inconcebível”, disse Lisa Graumlich, cientista climática emérita da Universidade de Washington e ex-presidente da União Geofísica Americana. As pessoas conhecem e entendem esse registro “icônico”, disse ela. “Muita da ciência que fazemos é incrivelmente complexa, e este registro é algo que pode ser compreendido.”
O observatório faz parte de uma rede global de estações que monitoram a atmosfera. As pesquisas realizadas nesses laboratórios permitem que os cientistas avaliem mudanças a longo prazo, descubram o que causou essas mudanças e façam previsões melhores para eventos extremos como ondas de calor, secas e inundações. As estações podem ajudar os cientistas a determinar quais políticas climáticas estão funcionando, quais não estão e se o aquecimento global está acelerando.
“Por que, a um custo relativamente baixo, gostaríamos de perder essa capacidade?”, questionou Graumlich.
A consistência na coleta desses registros climáticos é fundamental. “Não é diferente de ir ao médico”, disse Rick Spinrad, que foi administrador da Noaa durante o governo de Joe Biden. “Você vai regularmente, faz seus exames de sangue e, se houver alguma mudança, pode detectá-la cedo.”
O mesmo vale para os check-ups planetários, disse ele, e é isso que Mauna Loa proporciona. A concentração média de dióxido de carbono, uma das principais causas das mudanças climáticas, aumentou rapidamente, desequilibrando os sistemas naturais do planeta. Os registros de Mauna Loa mostram que subiu de 316 partes por milhão para mais de 430 partes por milhão.
Graumlich estuda as mudanças climáticas desde a década de 1970, quando, ela lembra, os cientistas questionavam se os humanos eram realmente capazes de mudar o clima da Terra. Os dados de Mauna Loa responderam a essa pergunta.
“Tornou-se tão claro que estávamos indo além da variabilidade natural, e que a queima de combustíveis fósseis estava causando isso”, disse Graumlich. “Levamos décadas para perceber isso.”
Por mais importante que seja o Observatório Mauna Loa, ele não funciona isoladamente. Para ter uma imagem confiável e global dos gases de efeito estufa na atmosfera, os cientistas precisam coletar amostras de vários lugares. A Noaa opera outras três estações de monitoramento —uma no Alasca, uma em Samoa Americana e uma no Polo Sul geográfico— para compilar sua tendência global média de dióxido de carbono.
O orçamento do presidente fecharia todas as quatro estações, eliminando a visão de polo a polo dos gases de efeito estufa dos Estados Unidos. Elas não poderiam ser facilmente substituídas.
“Perderíamos grandes áreas de observação e dificultaríamos a compreensão de onde vêm os gases de efeito estufa e para onde vão”, disse Spinrad.
A Noaa recusou um pedido de comentário para a reportagem do jornal The New York Times, dizendo que a agência não comenta sobre o orçamento.
Mas os cortes estão alinhados com a posição do governo Trump de rejeitar os riscos do aquecimento global e acabar com os esforços federais para reduzir as emissões que estão aquecendo o planeta.
A Noaa também administra uma “rede de frascos” que coleta amostras de ar de todo o mundo, incluindo lugares remotos que não possuem infraestrutura para fazer medições. Elas são processadas no Laboratório de Monitoramento Global da agência em Boulder, Colorado, que também seria afetado pelo corte orçamentário.
Existem outras redes de amostragem de ar, mas não com a cobertura que a da Noaa proporciona, disse Ralph Keeling, professor de ciência climática no Instituto Oceanográfico Scripps e filho de Charles Keeling, que iniciou a curva de dióxido de carbono de Mauna Loa.
“Perderíamos qualquer compreensão de como o clima está mudando, em que ritmo e onde”, disse Spinrad. Identificar quais lugares são mais vulneráveis às mudanças climáticas seria mais difícil, assim como identificar locais promissores para esforços de remoção de dióxido de carbono e avaliar esses esforços, disse ele.
Embora outros países e organizações científicas estejam medindo gases de efeito estufa e a atmosfera, tanto por meio de redes de amostragem de ar quanto por laboratórios de medição dedicados, os observatórios e programas da Noaa são internacionalmente inestimáveis.
Cientistas em Mauna Loa e outros observatórios também rastreiam metano, um gás de efeito estufa muito mais potente a curto prazo do que o dióxido de carbono, além de óxido nitroso, aerossóis e substâncias que destroem a camada de ozônio. Eles monitoram fuligem e outras partículas poluentes no ar e observam mudanças na radiação solar, padrões climáticos e de vento.
Deixar de acompanhar essas métricas poderia ter amplas implicações.
“Não é apenas a missão climática que fica comprometida”, disse Spinrad. “É a capacidade de proteger pessoas e propriedades contra coisas como incêndios florestais. Muito se perde com a eliminação e encerramento desses laboratórios.”
Abandonar Mauna Loa seria mais um sinal claro para o mundo de que os Estados Unidos não estão mais levando a sério as mudanças climáticas, disseram os cientistas.
“O esforço da Noaa é realmente a espinha dorsal do esforço global para rastrear gases de efeito estufa”, disse Keeling. Cientistas que constroem outros registros de longo prazo dependem da curva de Keeling para interpretar os seus próprios. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para garantir que essas estações não fechem.”