Tecnologia quer fazer políticos sentirem frio, medo e fome – 09/07/2025 – Rodrigo Tavares

Tecnologia quer fazer políticos sentirem frio, medo e fome – 09/07/2025 – Rodrigo Tavares

Imaginemos um presidente da República que, antes de assinar um decreto sobre cortes no orçamento da saúde, fosse submetido à experiência física de um pronto-socorro superlotado, sem ar-condicionado, com macas nos corredores e mães chorando crianças com febre? E se os deputados, antes de derrubarem projetos de lei que ampliam a transferência de renda, fossem obrigados a sentir, ainda que por alguns minutos, a fraqueza concreta de quem passa dois dias sem comer?

A política seria diferente se ministros sentissem na pele a dor que provocam com suas decisões?

A brasileira Anna Carolina Queiroz acredita que sim. Ela é uma das acadêmicas de maior projeção nos Estados Unidos na aplicação da realidade virtual à formulação de políticas públicas. Após liderar, durante seis anos, várias pesquisas do Virtual Human Interaction Lab (Laboratório de Interação Humana Virtual) da Universidade Stanford, passou a integrar a Universidade de Miami, onde coordena estudos sobre os impactos da realidade virtual nos domínios da cognição, da aprendizagem e da comunicação.

Realidade virtual (RV) é uma tecnologia que permite simular ambientes e experiências imersivas por meio de equipamentos como óculos especiais, fones de ouvido e sensores de movimento.

Quando colocamos os óculos de realidade virtual, o conteúdo digital (visual, auditivo e sensorial) se sobrepõe ao ambiente físico. Após alguns instantes, “nosso cérebro começa a reagir a esses estímulos digitais como se fossem reais, desencadeando respostas fisiológicas muito semelhantes às que ocorreriam caso estivéssemos naquele ambiente na vida real”, explica a professora à coluna.

Atualmente, decisões políticas são majoritariamente fundamentadas em dados quantitativos e relatórios técnicos. Embora esse tipo de informação seja essencial para a racionalidade administrativa, ela permanece distante da materialidade social que representa.

Trata-se de uma linguagem abstrata que exige de quem decide a competência cognitiva de transpor estatísticas para situações concretas, conectando indicadores agregados a contextos específicos de vulnerabilidade, exclusão ou necessidade. Quando essa mediação falha, a política torna-se tecnicamente precisa, mas socialmente estéril. Remete-nos para a célebre frase de Stalin: a morte de um homem é uma tragédia; a de um milhão, uma estatística.

Em um projeto recente com o governo da Flórida, nos Estados Unidos, em parceria com a Florida Atlantic University e a Virtual Planet, Anna Queiroz desenvolveu uma experiência imersiva acompanhada de pesquisa para sensibilizar residentes e tomadores de decisão de West Palm Beach —cidade da região metropolitana de Miami— sobre os impactos da subida do nível do mar na região.

Quais os resultados? Depois de vivenciar a realidade virtual, o prefeito de West Palm Beach, Keith A. James, declarou que a “tecnologia demonstrou, de forma inequívoca e clara, o impacto devastador da subida do nível do mar em nossa cidade”. E acrescentou: “também fiquei impressionado com a demonstração das medidas de mitigação que poderiam ser empregadas para combater este problema.”

Embora seu uso na política ainda seja incipiente, a realidade virtual já se consolidou como ferramenta pedagógica em múltiplos contextos educacionais. Escolas em diversas partes do mundo recorrem à tecnologia para transformar o ensino de história em vivência imersiva, inserindo os alunos em eventos como a Segunda Guerra Mundial ou no interior de um navio negreiro.

Na área da saúde, profissionais utilizam simulações para desenvolver empatia clínica, experienciando os efeitos cognitivos de doenças como o Alzheimer, incluindo a perda de memória, a confusão espacial e a desorientação emocional, a partir da perspectiva do paciente.

Falta a política.

No Brasil, uma parte expressiva dos agentes públicos é oriunda de estruturas de poder marcadas por heranças patrimoniais e alianças oligárquicas, o que restringe drasticamente sua capacidade de compreender, com densidade e consequência, as formas de privação, exclusão e vulnerabilidade que estruturam a vida da maioria pobre da população. A realidade virtual poderia, nesse contexto, ser um instrumento valioso de sensibilização.

Mas haverá vontade de usar esta tecnologia? Que políticos se submeteriam voluntariamente a experiências que os coloquem no lugar dos mais vulneráveis? E, mesmo que o façam, continuarão sabendo que os efeitos de suas decisões recaem sobre os outros, não sobre os seus. O cálculo político pode ser cruel. Contra isso, ainda não há tecnologia.


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Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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