Professores dos EUA trocam livros pela internet – 23/09/2024 – Educação

Professores dos EUA trocam livros pela internet – 23/09/2024 – Educação

À medida que os livros didáticos impressos acumulam cada vez mais poeira nas estantes das salas de aula, uma nova e abrangente pesquisa publicada na última quinta-feira (19) mostra que os professores de estudos sociais nos Estados Unidos estão se voltando para fontes digitais e documentos primários do passado do país em suas aulas.

Embora as principais bases de conteúdo não apresentem um viés ideológico explícito, o relatório alerta para uma tendência em alguns distritos escolares mais progressistas de adotar “lições moralizantes”, que parecem direcionar os alunos a ver a história americana de uma maneira “emocional”, como uma sequência de injustiças.

Em localidades conservadoras, o relatório afirma que as leis que restringem o ensino de “conceitos controversos” têm sido “extremamente corrosivas para o moral dos professores e prejudiciais à integridade do bom ensino de história”.

No entanto, o relatório, produzido pela American Historical Association (Associação Histórica Americana), revela que a maioria dos professores de história diz estar comprometida com o objetivo de apresentar “diversas perspectivas” sobre os eventos históricos e descrever a trajetória dos EUA como “uma mistura complexa de conquistas e retrocessos”.

O estudo oferece um retrato detalhado de como a história está sendo ensinada em um período de intensa polarização política. Foram ouvidos 3.000 professores de ensino fundamental e médio em nove estados: Alabama, Colorado, Connecticut, Illinois, Iowa, Pensilvânia, Texas, Virgínia e Washington.

Nicholas Kryczka, coordenador de pesquisa da associação e autor do relatório, afirmou que, de modo geral, os resultados sugerem que a maioria dos educadores entende a necessidade de exercer autocontrole ao abordar questões políticas em sala de aula.

“Você pode ser um progressista apaixonado, um conservador fervoroso ou um centrista convicto e ainda assim ser um bom professor de história”, disse ele.

Procurando aulas de história online

Os debates sobre como ensinar a história americana têm agitado a política nos últimos anos. Na corrida presidencial de 2024, o candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump, promete “lutar pela educação patriótica nas escolas dos Estados Unidos”, enquanto a candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, declarou que protegeria professores de “extremistas” que “atacam a liberdade de aprender e reconhecer a história verdadeira e completa” da nação.

Mas relatório da American Historical Association, uma entidade profissional de historiadores com 11 mil membros, mostra que muitos dos principais conflitos na educação de estudos sociais não se resumem à polarização entre esquerda e direita.

Os professores que participaram da pesquisa disseram que foram atraídos para os estudos sociais por causa de seu amor pela história e civismo americanos. Muitos afirmaram que suas frustrações decorrem do fato de não terem tempo suficiente para orientar os alunos sobre o conteúdo —os documentos da fundação do país, a Segunda Guerra Mundial, o movimento dos direitos civis.

Apenas 2% dos professores disseram que “frequentemente” ouvem reclamações da comunidade sobre o que ou como eles ensinavam. Cerca de metade dos entrevistados disse que recebem essas críticas ocasionalmente.

O relatório foi financiado pela Bloomberg Philanthropies, a instituição de caridade de Michael Bloomberg, o bilionário ex-prefeito da cidade de Nova York.

Ele aponta que, à medida que as escolas adotam cada vez mais a tecnologia, tanto o planejamento de aulas quanto as tarefas dos alunos passaram a ser online. De acordo com a pesquisa, a grande maioria dos professores extrai materiais de aula dos sites do Instituto Smithsonian, da PBS [rede pública de TVs] e do popular canal de John Green, autor de livros para jovens adultos que faz vídeos divertidos e rápidos sobre momentos importantes da história americana no Youtube.

Mais da metade dos entrevistados utilizou materiais do site de compartilhamento de aulas Teachers Pay Teachers. Mas essa opção gerou polêmica, com muitos educadores expressando preocupação com a falta de controle de qualidade nesse site e em plataformas de redes sociais, como o Pinterest.

Também se mostraram populares os recursos da National Geographic; do Instituto de História Americana Gilder Lehrman, uma renomada organização sem fins lucrativos; e da Khan Academy, o grupo do Vale do Silício que oferece tutoria online.

Ainda assim, uma parte considerável dos professores recorreu a materiais curriculares associados a uma visão ideológica ou interpretação específica da história americana. Algumas das fontes mais utilizadas, segundo o relatório, foram consideradas inaceitavelmente progressistas por críticos conservadores.

Cerca de 42% dos entrevistados usaram materiais do Learning for Justice, um projeto do Southern Poverty Law Center [ou SPLC, Centro de Direito da Pobreza do Sul]. Aproximadamente um quarto utilizou o Zinn Education Project, inspirado no historiador Howard Zinn, que frequentemente enaltece movimentos ativistas de esquerda.

No espectro conservador, 18% dos professores utilizaram materiais do Teaching American History, um projeto do Ashbrook Center, uma organização que promove a “virtude cívica” e o patriotismo.

Apenas 4% dos docentes adotaram o currículo do Hillsdale College, uma instituição cristã-conservadora. Porém, o dobro –8%– afirmou ter evitado esses materiais, que estão associados a ativistas republicanos.

Além da pesquisa com professores, o estudo também analisou os currículos de estudos sociais das redes, embora os distritos específicos não tenham sido identificados. Com a adoção crescente de disciplinas como estudos étnicos em alguns estados, conceitos dessa abordagem mais à esquerda estão sendo incorporados em aulas de história em regiões liberais, aponta o relatório.

Os pesquisadores observaram planos de aula que abordavam “poder, privilégio e opressão” e atividades que incentivavam os alunos a explorar “mentalidades libertárias” e “formas indígenas de conhecimento”. Em alguns casos, as perguntas direcionadas aos alunos pareciam conduzir a respostas específicas, como em uma aula sobre a história dos nativos americanos que indagava se os alunos prefeririam “fazer parte do meio ambiente ou dominá-lo”.

Em entrevistas realizadas como parte do estudo, alguns professores expressaram ceticismo em relação a essa abordagem moralizante, mesmo quando suas posições políticas pessoais eram mais progressistas. Um educador do estado de Washington criticou o que chamou de “teatro branco”, enquanto outro, de uma área liberal e abastada do Colorado, reclamou que “jargões sobre equidade” se resumiam a uma questão de aparência.

O relatório não encontrou muitas evidências nos materiais curriculares da abordagem de mitos conservadores sobre a história americana que já foram dominantes, principalmente no sul, como a ideia de que a escravidão não foi a causa da Guerra Civil.

O estudo encontrou, porém, uma tendência a enfatizar excessivamente a inevitabilidade do Destino Manifesto –a crença de que os EUA estavam destinados a se expandir para o oeste– e a reduzir a história dos povos indígenas a alguns poucos episódios trágicos, como a Trilha das Lágrimas, em vez de apresentá-la como uma parte viva da história americana.

Em estados e regiões predominantemente conservadores, muitos professores afirmaram que as leis que restringem o currículo, além de reuniões acaloradas com conselhos escolares, têm gerado um clima de medo e, em alguns casos, de autocensura ao abordar temas como raça e gênero.

Mais tempo para ler

O relatório abrangeu um grupo diverso de distritos, mas não incluiu estados como Flórida, Califórnia e Oklahoma, onde o currículo escolar tem se tornado um campo de batalha política nos últimos anos.

David Blight, historiador de Yale que atua na formação de professores, afirmou que a ausência de dados desses estados pode ter distorcido levemente as conclusões. “Fiquei surpreso com a contundência de algumas descobertas”, disse ele. “Muitos professores só querem tempo para ler e fazer um bom trabalho. Eles ficariam muito gratos se alguém lhes desse um orçamento de US$ 100 para compra de livros.”

Lucas Morel, cientista político da Washington and Lee University, que colaborou com o Hillsdale College e outros currículos que destacam o orgulho nos documentos fundadores do país, afirmou que o relatório é tranquilizador em muitos aspectos, embora tenha ressalvas quanto à minimização de preocupações legítimas sobre a influência de materiais de tendência progressista nas escolas.

Para Morel, embora o termo “teoria racial crítica” não seja frequentemente utilizado em escolas de ensino fundamental e médio, ideias relacionadas ao racismo sistêmico estão “moldando a maneira como certos assuntos são apresentados”. “Isso, por si só, é uma maneira contestável de ver a história.”

Esta reportagem foi publicada originalmente aqui.

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

Postagens Relacionadas

Eleições municipais não terão voto em trânsito

Eleições municipais não terão voto em trânsito

Os eleitores que não estiverem em suas cidades no primeiro e segundo turnos das eleições de outubro não poderão votar. A…
Homem é preso ao transportar fuzil e munições na ponte Rio-Niterói

Homem é preso ao transportar fuzil e munições na…

Um homem, cujo nome não foi divulgado, foi preso na noite da última quinta-feira (25) enquanto transportava um fuzil na ponte…
Cães e humanos sincronizam seus cérebros ao brincar – 26/09/2024 – Suzana Herculano-Houzel

Cães e humanos sincronizam seus cérebros ao brincar –…

Ah, a ciência. Umas duas décadas atrás, tudo o que eu vou escrever aqui –mutações induzidas a dedo, cães autistas, sincronização…