Problemas no sono? Tente mudar a forma como pensa nisso – 26/10/2024 – Equilíbrio
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- 27/10/2024
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Como você dormiu na noite passada? Se você se revirou, tentou contar carneirinhos e olhou algumas vezes para o relógio, é provável que se sinta menos revigorado.
Mas essa sensação de sono e cansaço pode não ser apenas devido à quantidade, ou talvez até mesmo à qualidade, do seu sono – também pode depender da sua mentalidade.
Porque o que você diz a si mesmo no dia seguinte sobre como dormiu, e sobre o quanto isso importa, pode fazer a diferença em como você percebe seu cansaço.
“Todo mundo conhece a ideia de qualidade do sono. As pessoas presumem que ela se baseia no desempenho do sono durante a noite, como algo mensurável”, diz Nicole Tang, diretora de um laboratório dedicado a estudos sobre o sono e a dor na Universidade de Warwick, no Reino Unido.
“Mas o que aconteceu depois, e o que aconteceu um pouco antes, também pode ter influência.”
O próprio trabalho de Tang nessa área faz parte de um crescente corpo de pesquisa que sugere que dormir a noite toda não é a única chave para se sentir revigorado na manhã seguinte.
Também conta a nossa percepção do sono e o nosso humor ao avaliar o quão cansados estamos, argumentam Tang e seus colegas.
A ideia de que a mentalidade afeta diretamente nosso sono não é nova.
Décadas de pesquisa indicaram amplamente que, de fato, os processos psicológicos são provavelmente o principal motivador por trás da insônia.
Nosso sono é interrompido quando estamos em um estado de alta excitação psicológica, o que geralmente é resultado de nossos pensamentos, crenças e a forma como direcionamos nossa atenção.
Ainda assim, muitos de nós presumiríamos que, se nos sentimos cansados, é porque dormimos mal.
Por décadas, no entanto, um fenômeno frequentemente chamado de “insônia paradoxal” tem intrigado os cientistas.
É quando as pessoas acreditam que tiveram uma noite de sono ruim e se sentem cansadas – mas, quando o sono delas é medido objetivamente, com uma polissonografia, por exemplo, ele está dentro do normal.
Esse estado pode ser mais comum do que se pensa.
Algumas pesquisas sugerem que ele pode se aplicar à maioria dos casos de insônia. Uma revisão sistemática de estudos identificou a prevalência da insônia paradoxal em pacientes diagnosticados com insônia variando de 8% a 66%.
Para deixar claro, a insônia e suas consequências são muito reais. E ninguém argumentaria que, se você se sente sempre cansado, não deveria tentar mudar coisas na sua rotina, se puder.
Mas a hipótese de que a forma como interpretamos uma noite de sono ruim pode mudar o quão cansados nos sentimos é uma consideração intrigante e potencialmente fortalecedora.
Na melhor das hipóteses, isso significa que você pode se sentir mais acordado sem ter que acumular mais horas de sono.
‘Regras universais’ sobre o sono fazem sentido?
Essa abordagem pode entrar em conflito com o que frequentemente nos dizem sobre o sono: ou seja, que cumprir consistentemente um certo número de horas dormindo é absolutamente crucial para o bem-estar – uma das principais ideias que impulsionam uma indústria de US$ 78 bilhões (mais de R$ 440 bilhões) e que está crescendo.
Na verdade, dizem os especialistas, a relação exata entre a duração do sono e nossa saúde a longo prazo permanece obscura.
As pesquisas têm resultados variados e, mesmo quando uma conexão é encontrada, os estudos geralmente destacam correlações entre sono e saúde, em vez de causas.
Em outras palavras, pode haver um problema subjacente que impediria alguém de dormir bem – pessoas com problemas respiratórios, por exemplo, geralmente têm sono pior.
“Estamos problematizando nosso sono”, diz David Samson, antropólogo evolucionista e diretor do Laboratório de Sono e Evolução Humana da Universidade de Toronto.
Ele também é autor de um livro a ser lançado, The Sleepless Ape: The strange and unexpected story of how social sleep made us human (em tradução livre: “O macaco insone: a estranha e inesperada história de como o sono social nos tornou humanos”).
Usando medidas objetivas como a actigrafia, que monitora os ciclos de atividade e descanso, ele e outros pesquisadores descobriram que pessoas de sociedades de caçadores-coletores normalmente dormem entre 5,7 e 7,1 horas por noite – bem menos que as sociedades industriais. O sono desses povos também é mais fragmentado.
Mas isso também não os incomoda, diz Samson. Nos dois grupos que ele analisou, na Namíbia e na Bolívia, menos de 3% das pessoas disseram ter problemas para adormecer ou permanecer dormindo – uma pequena fração comparada aos até 30% relatados em sociedades industriais.
Nenhum dos grupos tinha uma palavra para “insônia” em suas línguas.
“Quando pergunto a eles se estão felizes com o sono, se estão satisfeitos, se o sono é bom, 9,5 em cada 10 dizem: ‘Sim, eu amo dormir'”, relata Samson.
“No entanto, sabemos, quantitativamente, que essas sociedades de pequena escala estão dormindo menos do que aqueles no mundo economicamente desenvolvido.”
“Temos essa narrativa no Ocidente [de que] os humanos nunca foram tão privados de sono”, ele acrescenta.
É uma besteira, ele diz.
Samson é um dos pesquisadores que têm contestado as regras universais para quanto sono todos deveríamos ter.
Em um artigo científico recente, por exemplo, pesquisadores da Universidade de Oslo, na Noruega, questionaram a ideia de que estamos vivenciando uma “epidemia de insônia”.
Eles apontam que os experimentos de laboratório que deram origem às preocupações de que o sono ruim atrapalha a saúde são muito diferentes das evidências da vida real.
“A necessidade de sono deve ser considerada dinâmica, com potencial para se adaptar em resposta às circunstâncias ambientais”, escreveram os pesquisadores.
“Isso significa que não há uma quantidade ideal de sono para um indivíduo em todas as situações e épocas. Em vez disso, o sono tem uma quantidade negociável que é afetada por fatores ambientais, culturais, psicológicos e fisiológicos.”
Ansiedades relacionadas ao sono
Acreditar que há apenas uma maneira “certa” de dormir não é apenas, até o que se sabe no momento, infundado – também pode sair pela culatra.
Isso vale para quando estamos tentando dormir.
Pessoas com insônia tendem a ter crenças rígidas sobre o sono (por exemplo: “Se eu não dormir sete horas, vou me sentir péssimo amanhã”) e muitas vezes temem uma noite de sono ruim.
Elas também ficam mais alertas a sinais relacionados ao sono, como olhar para o relógio.
Todas essas preocupações podem aumentar a agitação e a ansiedade à noite, tornando o sono mais difícil de atingir.
Elas também podem continuar tendo efeito no dia seguinte, observa Tang. Ao tornar as pessoas mais conscientes do quanto ficaram acordadas na noite anterior, as preocupações podem exacerbar a sensação de que dormiram mal – não apenas fazendo com que se sintam mais cansadas, mas também mais ansiosas para dormir bem na próxima noite, o que se transforma em um ciclo vicioso.
Muitas vezes, no entanto, essas preocupações não são realmente baseadas em fatos. Aqueles com insônia tendem a pensar que precisam dormir mais do que o realmente necessário e a superestimar o impacto de uma noite de sono ruim em seu funcionamento.
Como resultado, os tratamentos tradicionais para insônia tendem a se concentrar em estratégias cognitivo-comportamentais para mudar esses pensamentos e para diminuir a agitação, como praticar relaxamento muscular.
Essa abordagem mais compreensiva e menos quantitativa pode ajudar também os pais de bebês, diz Pamela Douglas, médica australiana, pesquisadora do sono e fundadora do método Possums – uma abordagem para o sono de pais e filhos que tem sido adotada por profissionais de saúde em todo o mundo.
Ela diz que a maioria das orientações sobre sono para pais de bebês enfatiza a duração do sono e a contagem de quantas vezes foi necessário acordar à noite.
“Na verdade, não queremos ficar olhando para o relógio ou contando horas”, diz ela.
Além das crenças particulares que temos sobre o sono, o problema é o quanto estamos apegados a elas, diz Jason Ong, que foi por muito tempo pesquisador de sono na Universidade Northwestern e agora é diretor de medicina comportamental na empresa de diagnóstico do sono Nox Health, nos EUA.
“Para pessoas com insônia, não é apenas o fato de que elas pensam coisas como ‘Preciso de oito horas de sono ou não vou estar bem no dia seguinte’. É o grau com que elas se apegam a isso”, ele aponta.
Seu trabalho aposta em técnicas de meditação com atenção plena e no desapego desse tipo de pensamento.
O dia seguinte
Focar muito no sono não só dificulta o sono – também pode significar sentir-se mais cansado no dia seguinte, mesmo que tenhamos dormido razoavelmente bem.
Jason Ong lembra de um paciente que insistiu que precisava de seis horas para funcionar.
Quando Ong notou no diário de sono do paciente que houve uma noite em que ele dormiu cinco horas, o paciente disse que era horário de verão, mas ele não havia percebido isso.
Só mais tarde, no final de uma aula de ginástica, ele percebeu que havia dormido 5,5 horas, não 6,5. Então, ele se sentiu exausto.
“Eu disse: ‘Só a informação de que você dormiu uma hora a menos mudou como você se sentiu no resto do dia?'”, lembra Jason Ong.
“É realmente importante o quanto você dormiu ou apenas o quanto você acha que dormiu?”
O uso de aparelhos de monitoramento do sono também pode sair pela culatra, alertam pesquisadores, incluindo Tang e Samson.
Digamos que acordamos nos sentindo bem, mas nosso relógio diz que dormimos pior do que a média: agora, podemos nos sentir mais cansados do que se não tivéssemos essa informação.
Algumas pesquisas confirmam isso.
Em um estudo, pessoas com insônia receberam informações sobre seu sono que, segundo ouviram, teriam sido registradas por um relógio inteligente – mas, na verdade, os dados que receberam eram falsos.
Metade foi informada de que havia dormido mal, metade que havia dormido bem.
Mais tarde no dia, o grupo que foi informado de que havia dormido mal relatou que se sentia mais cansado, menos atento e com um humor pior do que o grupo que foi informado de que havia dormido bem.
Sentir-se bem com o nosso sono – mesmo que ele não tenha sido realmente ótimo- não afeta apenas o quão cansados nos sentimos. Pode até afetar o nosso desempenho.
Em um pequeno estudo recente, pessoas foram acordadas após cinco ou oito horas de sono, por duas noites seguidas. Mas seus relógios foram ajustados para fazê-los pensar o oposto: aqueles que dormiram cinco horas pensavam que tinham dormido oito, e vice-versa.
Quando foram testados, os participantes que dormiram cinco horas e pensavam que tinham dormido oito tiveram tempos de reação mais rápidos do que aqueles que dormiram cinco, mas foram informados da verdade.
E aqueles que dormiram oito horas, mas pensavam que dormiram cinco? Eles tiveram tempos de reação mais lentos do que aqueles que realmente dormiram oito e foram informados disso.
Como nos sentimos sobre uma noite de sono também flutua ao longo do dia.
“A maneira como pensamos sobre o nosso sono pode mudar, mesmo após o período de sono”, diz Tang.
Em um estudo que ela participou, pessoas foram questionadas várias vezes ao longo do dia sobre como dormiram na noite anterior.
Esse período de sono não mudou – estava no passado -, mas suas avaliações sobre ele mudaram.
Por exemplo, se os participantes estavam fazendo algo de que gostavam, como um esporte, de repente tinham uma percepção mais positiva de como dormiram na noite anterior.
A importância da mentalidade não significa que devemos adotar “positividade tóxica”, alertam os pesquisadores.
“Não estamos tentando fazer com que as pessoas se deem ‘notícias falsas'”, diz Tang.
“Mas é sobre conseguir ter esse entendimento, essa nuance. É pensar que mesmo que eu não tenha tido uma noite muito boa de sono, ainda posso fazer coisas que gosto.”
Dicas para o sono
Então, se você tem problemas com o sono, o que pode fazer?
Todas as dicas usuais se aplicam, dizem os especialistas – por exemplo, praticar a higiene do sono, que normalmente inclui evitar álcool e cafeína e manter um horário regular para dormir.
Mas, além disso, tente adotar uma abordagem menos “preto e branco” para dormir.
Você pode se lembrar de momentos em que não dormiu perfeitamente, mas ainda assim teve um bom dia, por exemplo.
Adotar uma mentalidade de iniciante também pode ajudar: não presumir que, porque você já teve um dia ruim depois de uma noite mal dormida, é isso que sempre vai acontecer.
Cientistas, incluindo Tang, Douglas e Ong, também aconselham não deixar uma noite ruim atrapalhar sua vida mais do que o necessário – por exemplo, cancelando planos.
A pesquisa de Tang também sugere que focar em coisas que melhoram seu humor pela manhã também pode ajudar muito a melhorar sua avaliação de como dormiu.
Entender mais sobre como o sono realmente funciona também pode ajudar, diz Tang.
Saber que é natural despertar várias vezes durante a noite pode fazer com que esses buracos no sono pareçam menos frustrantes.
“Não estou dizendo que o sono não é importante para a saúde física e mental em geral”, diz Tang.
“Mas há uma cultura em que, quando as pessoas falam muito sobre a duração do sono, elas se esquecem do fato de que há muitas diferenças individuais e muitos aspectos circunstanciais. E isso está causando expectativas irrealistas, culpa e decepção para muitas pessoas.”
Este texto foi originalmente publicado aqui.