Por que Marine Le Pen deve poder concorrer à Presidência – 09/04/2025 – Mundo

Por que Marine Le Pen deve poder concorrer à Presidência – 09/04/2025 – Mundo

Entre 2004 e 2016, Marine Le Pen esteve no centro de um esquema que desviou fundos da União Europeia para pagar a equipe política de seu partido, afirmando falsamente que eles estavam trabalhando como assistentes de seus deputados no Parlamento Europeu.

Assim decidiu um tribunal de Paris no último dia 31, condenando Le Pen e 23 outros funcionários de seu partido de ultradireita, a Reunião Nacional (RN), a uma combinação de multas, penas de prisão e proibição de fazer campanha. A decisão caiu na política francesa como uma bomba, devido a um aspecto da sentença de Le Pen: ela está proibida de concorrer a cargos públicos por cinco anos, com efeito imediato. Isso incluiria a eleição presidencial de 2027, na qual ela é a principal candidata.

A líder da RN e seus aliados populistas atacaram a decisão como uma armação política. Essa acusação é falsa e mina a fé no Estado de Direito. Não há razão para pensar que o veredicto foi obtido de forma imprópria. As provas são volumosas, a lei é clara, e não há acusações sérias de parcialidade judicial. A independência do tribunal deve ser respeitada.

No entanto, embora seja perfeitamente legal impedir que Le Pen concorra à Presidência, isso corre o risco de prejudicar a legitimidade da próxima eleição. Essa é a troca errada para a França. Se um tribunal de apelação puder reduzir a proibição e permitir que ela faça campanha em 2027, ele deverá fazê-lo.

A suspensão da candidatura de Le Pen levanta duas questões. Primeiro, em que circunstâncias uma democracia deve desqualificar um candidato? A sentença decorre, em parte, de uma lei rígida que a França aprovou em 2016 para superar sua leniência de longa data com políticos corruptos, incluindo o ex-presidente Jacques Chirac. Essa lei permite proibir candidatos de concorrer a cargos políticos, com efeito imediato. Le Pen apoiou a reforma, e é muito interessante para ela alegar que suas penalidades, quando aplicadas a ela, são em si um ataque à democracia.

A maioria dos países tem leis que podem bloquear candidatos, mas principalmente para ataques graves à própria democracia. Após a revolução Maidan, a Ucrânia barrou funcionários do governo corrupto de Viktor Ianukovitch, apoiado pela Rússia, e após sua guerra civil, os Estados Unidos baniram aqueles que haviam participado de insurreições.

Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil, foi desqualificado por contestar a validade da eleição que o destituiu em 2022. Os crimes pelos quais Le Pen foi condenada são graves, mas não da mesma ordem.

A sentença severa da França nesse caso limita a escolha dos cidadãos que são capazes de julgar por si mesmos quem deve receber seu voto. Ao criar um mecanismo em que os políticos podem ser considerados cooptados, a lei incentiva o discurso de conspiração —especialmente se, como Le Pen, o político impedido de votar pertence a um partido que se baseia em uma suspeita das elites.

A segunda questão é a relação entre a política e o Judiciário. O Estado de Direito exige que os políticos sejam tratados como outros cidadãos. Quando se trata de decidir a culpa, isso é simples. Mas a noção de que as sentenças não devem levar em conta suas consequências para a política ou a governança é equivocada. Os tribunais devem pesar, e de fato pesam, uma série de fatores, como o impacto na legitimidade das instituições, incluindo as eleições.

Em Nova York, em janeiro, Donald Trump não recebeu nenhuma punição pelos crimes pelos quais foi condenado porque o povo americano foi considerado como tendo direito a um presidente livre. Com Le Pen, o tribunal francês se inclinou para o outro lado, dizendo que havia imposto uma sentença mais longa devido aos danos que ela poderia causar no alto cargo.

O perigo de os tribunais condenarem políticos de forma agressiva é que tanto a lei quanto os tribunais passam a ser vistos como partidários. Os judiciários dependem de que os cidadãos aceitem veredictos dos quais discordam. As eleições devem gerar consentimento para o novo governo. Uma pesquisa após a condenação de Le Pen revelou que apenas 54% dos franceses achavam que ela foi tratada como qualquer outro acusado, uma margem estreita de confiança na independência judicial. Entre os eleitores da RN, 89% consideraram que ela foi escolhida por motivos políticos.

Os defensores da sentença do tribunal observam que a desconfiança em relação ao Judiciário da França é, em grande parte, culpa de Le Pen e de seu partido. A RN passou décadas espalhando afirmações conspiratórias de que a França é governada por uma elite nebulosa que age em benefício próprio e usa seu controle das instituições para mantê-la fora do poder.

Le Pen recebeu mensagens de apoio não apenas da ultradireita europeia (Viktor Orbán, da Hungria, tuitou “Je suis Marine”), mas também da ultraesquerda da França: Jean-Luc Mélenchon, líder do partido França Insubmissa, disse que o povo deveria decidir o destino dos políticos eleitos.

Le Pen deve, de fato, poder se candidatar em 2027. Normalmente, seu recurso levaria até dois anos para ser julgado, mas o tribunal de apelação disse sabiamente que a decisão será tomada até o segundo semestre de 2026. O tribunal deve encurtar sua suspensão (outros réus receberam apenas um ano), permitindo que ela volte a participar da disputa antes da eleição.

Eric Ciotti, um parlamentar francês de direita ligado a Le Pen, quer uma legislação que acabe com as suspensões imediatas antes da apelação; se essa legislação fosse adotada antes do julgamento da apelação, ela poderia se candidatar. François Bayrou, o primeiro-ministro, diz que está aberto a debater a proposta.

De qualquer forma, Le Pen não se livrará facilmente: ela deverá cumprir dois anos usando uma etiqueta eletrônica, mais uma sentença suspensa de dois anos, e pagar uma multa pesada. Isso parece correto: o objetivo deve ser punir o infrator sem punir também a democracia francesa.

Texto do The Economist, traduzido por Gabriel Barnabé, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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