
Paraty: MPF pede anulação da licença do Hotel Spa Emiliano – 28/07/2025 – Ambiente
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- 28/07/2025
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O MPF (Ministério Público Federal) protocolou na última terça-feira (22) uma ação civil pública exigindo a anulação da licença de instalação do Hotel Spa Emiliano em Paraty (RJ). O processo é movido contra o município de Paraty, o estado do Rio de Janeiro, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a empresa J Filgueiras Empreendimentos e Negócios Ltda, que planeja o resort.
O projeto prevê a construção de 67 cabanas de luxo em uma região de manguezal a cinco quilômetros do centro de Paraty.
O terreno está na área de proteção ambiental (APA) de Cairuçu e pertence à família de Carlos Alberto Filgueiras, fundador do grupo Emiliano, morto em um acidente de avião em 2017 junto a Teori Zavascki, ministro do Supremo Tribunal Federal à época.
A Procuradoria da República em Angra dos Reis avalia que o licenciamento ambiental não considerou os possíveis impactos do hotel, como o corte de vegetação, o consumo de água e o aumento no tráfego de carros e barcos. O processo tampouco respeitou o direito à consulta às comunidades afetadas, segundo o MPF.
A Prefeitura de Paraty aprovou a licença em junho e afirma que realizará novas análises técnicas antes do início da construção do hotel, mas não explicou quais. A empresa J Filgueiras diz que o licenciamento segue a lei e que os estudos exigidos foram apresentados às autoridades.
“Todas as etapas do licenciamento estão sendo acompanhadas pelos órgãos competentes, em especial o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], gestor da APA de Cairuçu, e o Iphan, em razão do tombamento federal do município de Paraty”, diz a prefeitura.
Em nota, a empresa diz estar “comprometida em continuar atendendo integralmente à legislação e cumprindo com todas as exigências dos órgãos responsáveis”.
O grupo Emiliano afirma que preservará 98% da propriedade, com construções em 2% do terreno. O Governo do Rio de Janeiro disse que não irá se manifestar.
O MPF solicita a condenação do município, do estado e da empresa por danos morais coletivos e pede R$ 3 milhões pela causa, sendo R$ 1 milhão de cada um deles. Cabe à Justiça Federal em Angra dos Reis julgar a ação.
“No fim do ano de 2024, pouco antes da mudança na gestão municipal decorrente do processo eleitoral, observou-se uma movimentação acelerada de parte dos entes envolvidos no sentido de concluir o licenciamento ambiental”, diz o MPF. O grupo Emiliano abriu o processo para licenciar o hotel junto à prefeitura em 2010.
A Procuradoria exige a realização de estudos de impacto ambiental e argumenta que a licença deve ser emitida em nível estadual, não municipal. “O atropelado processo de licenciamento ora questionado evidencia a possibilidade de prejuízo em sede ambiental para a APA Cairuçu”, segundo a ação.
O Inea, órgão ambiental do Rio de Janeiro, classifica empreendimentos turísticos como atividades que podem ser autorizadas por municípios. Entretanto, uma vez identificada a necessidade de análises ambientais aprofundadas, a Procuradoria diz que a responsabilidade de licenciar o hotel passaria a ser do estado.
Questionado, o Inea afirma em nota: “A legislação vigente define claramente as competências de cada ente federativo —municípios, estados e União— no que diz respeito ao licenciamento ambiental, cabendo a cada um atuar conforme sua atribuição legal. O empreendimento em questão é licenciado pelo município”.
O MPF pede que os órgãos considerem as mudanças climáticas no licenciamento e diz que a segurança do próprio hotel estaria ameaçada sem a projeção de eventos extremos.
“Empreendimentos dessa natureza podem alterar o microclima local, aumentar os riscos de enchentes devido à impermeabilização do solo e gerar emissões de gases de efeito estufa, contribuindo para o agravamento da crise [climática]”, afirma a Procuradoria.
Há preocupação com a coleta e o tratamento de resíduos sólidos gerados pelo hotel, além do consumo de água —o projeto inclui banheiras e piscinas em cada cabana. A ação sugere que as condicionantes ambientais podem envolver equipamentos de reúso de água e energia solar para as comunidades do entorno.
A Folha questionou o grupo Emiliano sobre quais condicionantes se comprometeria a adotar. A empresa não comentou o assunto.
A ação pede a realização de consulta prévia, livre e informada, conforme a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), com a participação da comunidade caiçara do Saco do Funil, que fica a menos de um quilômetro do empreendimento, e da comunidade Itaxi Guarani M’Byá, localizada na Terra Indígena Parati-Mirim, distante 1,4 km.
A prefeitura promoveu uma audiência pública em 17 de junho e afirmou que o encontro tinha o objetivo de atender ao modelo de consulta da OIT. A convocação foi enviada em 10 de junho.
O MPF afirma que a reunião não pode ser considerada como uma consulta pública nos moldes exigidos. “Esse ato foi realizado às pressas e sem a preparação adequada”, diz a ação.
Além disso, foram convidadas somente duas organizações que já se manifestam publicamente a favor do hotel: a comunidade do Funil e a associação de moradores de Paraty-Mirim. Segundo a Procuradoria, todas as comunidades impactadas deveriam ser ouvidas.
Ameaça ao título de patrimônio mundial
O Iphan se envolveu no licenciamento devido ao tombamento de Paraty, em vigor desde 1958. Há sítios arqueológicos no terreno onde o hotel pode ser instalado e o grupo Emiliano realizou estudos a pedido do instituto.
Em abril deste ano, o órgão declarou o processo encerrado e aprovou a licença, permitindo a continuação dos trâmites junto à prefeitura.
O Ministério Público pede que o Iphan volte a analisar o tema e afirma que o órgão desconsiderou dois pareceres técnicos do próprio instituto. Um deles, de fevereiro deste ano, avalia que a construção do hotel pode colocar em risco o título de Patrimônio Mundial de Paraty.
A Unesco, Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura, incluiu a cidade na lista do patrimônio em 2019, junto a Ilha Grande. O sítio é do tipo misto, com reconhecimento da cultura e da natureza locais.
De acordo com o parecer técnico do Iphan, o título depende da interação entre os ecossistemas e as comunidades tradicionais e essa conexão seria ameaçada pelo resort.
O MPF também exige a consulta ao comitê gestor do sítio de Paraty e Ilha Grande —previsto desde a nomeação da Unesco em 2019, mas nunca criado. O Iphan diz que está em tratativas para implementar a comissão.