Pantanal: Trauma de queimadas leva à formação de brigadas – 26/07/2025 – Ambiente

Pantanal: Trauma de queimadas leva à formação de brigadas – 26/07/2025 – Ambiente

Com a intensificação das queimadas que o pantanal de Mato Grosso do Sul tem vivido nos últimos anos, comunidades ribeirinhas e indígenas viram a necessidade de se organizar para trabalhar na linha de frente do combate ao fogo.

A mobilização das integrantes da Associação de Mulheres Produtoras da APA (Área de Proteção Ambiental) Baía Negra, em Ladário (MS), município vizinho de Corumbá, começou após os incêndios de 2020 —que bateram recorde de devastação no bioma. Naquele ano, ao todo, foram 3,6 milhões de hectares queimados.

O fogo, cada vez mais próximo às casas, fez com que as integrantes da diretoria da associação procurassem ajuda do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para formar uma brigada. A equipe de combate é formada principalmente por mulheres: elas são 8 dos 12 integrantes do grupo, liderado por Virgínia Paz, 55, que também é presidente da entidade.

A organização comunitária tem seis diretoras, que coordenam as atividades dos associados. O grupo trabalha com produção e venda de doces de plantas nativas do pantanal, com a condução de passeios de barco, trilhas, atividades de observação de aves e também ações de educação ambiental, na estrada que corta a APA.

Seu esforço, afirma Virgínia, é para evitar a repetição da destruição que viu nos anos anteriores. “Foram momentos de terror. É assustador o que a gente vê quando entra em um combate. A gente se depara com os animais, os pássaros, muitos filhotes, todos queimando. É muito triste”, relata, emocionada, ao lembrar o momento em que tentou salvar uma cobra sucuri, mas não pôde, pois o animal já estava muito queimado.

“Aquele momento que eu vi aquela cobra se contorcendo, senti como se fosse a minha carne se queimando. Foi muito triste, não consegui me controlar e comecei a chorar.”

O episódio aconteceu em 2021, quando Virgínia já era líder da brigada. Ela conta ter sido muito difícil manter o controle para orientar a equipe naquele momento. Segundo ela, as chamas no local foram colocadas propositalmente, para a abertura de um pasto, e saíram do controle —a prática é proibida na APA.

Em 2024, depois de meses de seca severa, o fogo voltou e, com ele, a rotina de monitoramento constante. Segundo números do BD Queimadas, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), no ano passado, o pantanal teve 14.498 focos de incêndios, o pior índice desde 2020 (22.116 focos).

Cercada de verde, a APA é cortada por uma estrada de terra, paralela ao rio Paraguai. Grande parte das casas está no espaço entre a estrada e o rio. Durante a última temporada de fogo, Virgínia conta ter monitorado o local dia e noite em seu quadriciclo, mantendo contato constante com o Corpo de Bombeiros e o Prevfogo, órgão do Ibama responsável pelo combate às queimadas.

A líder comunitária recebeu a reportagem em uma pousada na APA Baía Negra, durante um treinamento promovido pelo projeto Juntos pelo Pantanal, do Instituto de Pesquisas Ecológicas. Lá representantes de 13 brigadas do estado participaram de simulações para aperfeiçoar o monitoramento de focos de calor e os procedimentos de comunicação com instituições públicas para reportar incêndios.

Angela Pellin, coordenadora do projeto, conta que capacitar moradores para saber como iniciar um combate com segurança é essencial, principalmente, porque muitas das comunidades tradicionais do pantanal estão em áreas de difícil acesso e com a comunicação limitada, o que faz com que a ajuda do poder público demore a chegar.

“Quando a gente pergunta qual foi a motivação da criação da brigada, geralmente é um trauma, um episódio de incêndio que atingiu a região e eles ficaram vulneráveis”, diz Pellin. No Brasil como um todo, o número de voluntários tem crescido, ela afirma, impulsionado pela maior frequência e gravidade dos focos de calor.

Os voluntários atuam também na prevenção dos incêndios, já que conhecem a dinâmica da comunidade e podem contribuir para a melhoria das práticas locais.

Esse é o objetivo do trabalho de Caleomar Fonseca Victor, 32, líder da brigada da aldeia Mãe Terra, localizada na Terra Indígena Cachoeirinha, da etnia terena, em Miranda (MS). O município fica a 220 km de Ladário, onde aconteceu o treinamento, e também sofreu com o agravamento dos incêndios em 2024 — a BR-262, no trecho que liga a cidade a Corumbá, ficou tomada pela fumaça e chegou a ter trechos interditados.

“Na seca, nós trabalhamos 24 horas, porque foram muitos focos”, conta ele. No último ano, lembra, o grupo com 22 voluntários conseguiu conter parte do avanço do fogo, que cercou a aldeia mas não chegou a invadir as casas.

A jornada foi exaustiva, e a comunidade ainda lida com os estragos da seca, que tornaram a prevenção mais difícil. Mas, segundo ele, o esforço que começou antes das queimadas foi essencial para proteger as casas e também preservar ao máximo as plantações.

Caleomar lembra que o uso do fogo para fazer a manutenção das roças é uma prática cultural, utilizada por muitos indígenas e ribeirinhos há gerações. No entanto, as secas agravadas pela crise climática inviabilizaram esse costume.

Com a estiagem, também veio o acúmulo de material orgânico no solo, combustível para que o incêndio se espalhe. Por isso, queimas controladas e o preparo de aceiros —faixas sem vegetação para evitar a propagação do fogo— são parte da rotina de prevenção do grupo.

“Nossa maior luta no território é recuperar as matas e as nascentes”, afirma Zacarias Rodrigues, 68, cacique da aldeia Mãe Terra. Ele acompanhou a formação da brigada e o trabalho dos integrantes para proteger a área de mata restaurada e também as agroflorestas, tipo de uso do solo que combina o plantio de árvores nativas e culturas agrícolas.

Zacarias recorda a luta pela regularização da sua terra, iniciada há mais de 20 anos, e diz que, ao receber o território em que hoje vive, a área estava tomada de capim, sem árvores, e com nascentes degradadas.

Para ele, portanto, proteger o local do fogo significa preservar o esforço dos últimos anos para recuperar a floresta e resgatar práticas de plantio tradicionais. Ele conta que o cultivo dos sistemas agroflorestais (conhecidos como SAFs) retoma uma prática passada de geração em geração para manter a saúde do solo.

“O que nós estamos fazendo resgata o que tinha se perdido com a monocultura”, destaca. Hoje a comunidade faz parte de um programa de recuperação de florestas supervisionado pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), que tem apoio da ONG SOS Pantanal.


ENTENDA A SÉRIE

A série de reportagens “Cicatrizes no Pantanal” aborda impactos na saúde, na educação e nos modos de vida de comunidades após as queimadas históricas de 2020 e 2024 no bioma. O trabalho é parte do projeto Excluídos do Clima, uma parceria da Folha com a Fundação Ford.

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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