
Iniciação sexual de adolescentes agora começa por telas – 24/07/2025 – Equilíbrio
- Saúde
- 24/07/2025
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Celulares, tablets e laptops estão redefinindo a forma como os adolescentes aprendem sobre sexualidade. No Brasil, 28% dos adolescentes entre 15 e 17 anos já tiveram acesso à pornografia online, mostra a pesquisa TIC Kids Online Brasil, de 2023.
Esse cenário não é exclusivo do Brasil, um levantamento americano, da Common Sense Media de 2022, cita que 44% dos adolescentes já viram pornografia intencionalmente, muitos antes dos 13 anos.
A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP (Universidade de São Paulo), afirma que essa iniciação sexual pela internet se intensificou com as restrições sociais durante a pandemia da Covid.
“Como consequência, muitos jovens adiam a iniciação sexual presencial por anos, levando a casos de indivíduos com 20 ou 25 anos que ainda não tiveram contato físico, permanecendo nessa condição por longos períodos devido à familiaridade com a experiência virtual”, explica Abdo.
Esse comportamento gera preocupação, diz a sexóloga, porque a masturbação incitada por pornografia pode criar uma dependência da estimulação direta, tornando as relações sexuais reais menos satisfatórias e podendo causar frustração no futuro.
A pesquisadora Déborah De Mari, fundadora do Força Meninas, plataforma de impacto social cuja missão é fortalecer o potencial de jovens, completa ao citar que “as meninas são introduzidas na educação sexual pelo conhecimento da pornografia e todo esse movimento acaba banalizando o início da vida sexual e ainda reforça uma série de comportamentos que são perigosos”. Como exemplo, ela ressalta a objetificação e violência contra a mulher.
Em relação aos meninos, De Mari afirma que “a maioria acaba sem noção de consentimento, e a sociedade colabora ao aceitar comportamentos inadequados como masculinidade“.
A doutora em psicologia com foco em pesquisas de gênero, corpo e sexualidade Rita Martins Godoy Rocha reforça que esse contexto da iniciação sexual por meio da pornografia online tem consequências específicas para os homens.
Estereótipos como “homem não chora” ou “mulheres são frágeis” contribuem para a construção de uma masculinidade tóxica. “Esses padrões, além de reprimir a expressão emocional masculina, podem alimentar comportamentos agressivos e perpetuar um ciclo vicioso de violência e sofrimento psicológico.”
A imposição de tais papéis de gênero gera impactos diretos na saúde mental, limitando a forma como homens e mulheres se relacionam desde a adolescência.
“Quando se discute sexualidade, pornografia e iniciação sexual virtual, é essencial considerar como essas normas influenciam não apenas os comportamentos, mas também o bem-estar emocional dos jovens. A desconstrução desses estereótipos é um passo necessário para relações mais saudáveis e igualitárias”, completa.
Sinais de alerta e consequências
As especialistas consultadas pela reportagem explicam que o consumo excessivo de pornografia pode desencadear comportamento sexual compulsivo, isolamento social e oscilações entre vergonha excessiva e sexualização exagerada. Nas relações interpessoais, observa-se perda da noção de intimidade, busca por performances irreais e dificuldades na relação sexual presencial.
Esse impacto funciona de formas diferentes para meninas e meninos e desde cedo leva os jovens a cultuar e se comparar a corpos irreais, padronizados e a performances sexuais “acrobáticas” da pornografia, desenvolvem baixa autoestima e autoimagem prejudicada. E ainda pode ocasionar o desenvolvimento de uma compreensão distorcida sobre consentimento, que normaliza comportamentos violentos.
Como reduzir os impactos negativos
Carmita Abdo afirma que a educação sexual deve começar em casa desde as primeiras perguntas da criança, por volta dos 3 ou 4 anos, de uma forma natural e adequada ao nível de entendimento dela. “Essa abordagem aberta e sem tabus cria um vínculo de confiança, incentivando a criança a continuar trazendo suas dúvidas para os pais”.
“Se esses diálogos não acontecerem em casa, a pornografia online acaba se tornando uma das principais fontes de informação sobre sexo para os adolescentes”, diz Abdo.
Além da educação sexual, as especialistas apontam ambientes digitais mais seguros e supervisão dos pais para o desenvolvimento saudável da sexualidade de crianças e adolescentes para reduzir os danos.
A sexóloga afirma que os pais que não se sentem confortáveis para falar sobre o assunto devem buscar se informar e fornecer materiais de qualidade para os filhos, como livros ou vídeos educativos. Ela também propõe uma verificação de idade mais eficaz nas plataformas e políticas públicas que incluam crianças em situação de vulnerabilidade.
Enquanto isso, o papel das instituições de ensino deve ser o de se atualizar e entender o mundo da pornografia online, conhecendo o que os jovens consomem para poder discutir o tema de forma crítica e realista. “É preciso ter conhecimento do que os adolescentes estão vendo para abrir diálogos que eles possam criar conexões com o assunto” diz Abdo.
A pesquisadora propõe que a educação digital seja integrada ao currículo escolar, com foco em privacidade, leis e uso consciente da tecnologia. E destaca a importância de inserir meninas na criação de tecnologias e de desmistificar a lógica da indústria digital para combater o aliciamento e a exploração online.
Elas defendem a capacitação de professores, o engajamento das famílias e a promoção do pensamento crítico e do consentimento entre os adolescentes —e reiteram a importância de considerar as desigualdades de gênero no acesso e nos efeitos da pornografia.