Filósofos africanos consideram que a palavra 'África' é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado

Filósofos africanos consideram que a palavra 'África' é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado

Neste texto, pesquisadores da Universidade de Pretória, na África do Sul, discutem a origem da palavra ‘África’ e defendem uma reflexão sobre a mudança do nome do continente. A essência do projeto de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a escravidão, a opressão colonial e a exploração
Jéssica Alves/G1
Os africanos devem ser chamados de negros ou a categorização das pessoas pela cor da pele é uma prática racista? E quanto à África? O nome do continente é uma injúria racial porque foi escolhido pelos exploradores europeus e baseado no clima, e não nas pessoas, e deveria ser renomeado?
Essas são perguntas que o estudioso de filosofia africana Jonathan Okeke Chimakonam considera em sua pesquisa. O The Conversation perguntou o que ele e seu coautor concluíram.
Quem batizou a África e qual o significado do nome?
O nome África foi dado ao continente pelos exploradores, escravagistas e colonizadores europeus que chegaram como comerciantes e exploradores nos anos 1400. Acredita-se que “África” tenha sido tirado do grego aphrike, que significa sem frio; em latim, traduz-se para aprica, que significa ensolarado.
Você sabe como é. Os seres humanos costumam dar nomes a estranhos ou a novos lugares que encontram. Em geral, isso ocorre para que possam identificar essas pessoas ou lugares. Mas a história também mostra que esses “batizados” geralmente não são agradáveis devido ao espírito doentio de competição que naturalmente caracteriza as novas descobertas.
De fato, em muitos casos, os nomes são calúnias destinadas a rebaixar essas pessoas ou lugares. Por exemplo, aprendemos com os relatos de Homero, o antigo poeta grego, que, quando os gregos encontraram pela primeira vez os povos do leste da África, eles os chamaram de aethiops ou Aithiops, que significa rosto queimado pelo sol.
Os antigos judeus se referiam a pessoas de outras nações e crenças como gentios, o que era uma calúnia porque os identificavam como forasteiros. Os antigos chineses se referiam aos povos da Mongólia como bárbaros, e a lista continua.
Às vezes, o insulto não se dirige diretamente às pessoas – por exemplo, quando a cultura e os povos do continente são ignorados na nomeação, como África ou África do Sul. Aphrike se refere ao clima; África do Sul se refere à geografia. O que os dois exemplos têm em comum é o silêncio sobre os habitantes, sua cultura e realizações. Isso implica que a história do lugar começou com o nomeador, como se fosse desabitado antes da chegada dele.
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O nome África é uma injúria racial?
A nomenclatura é uma ferramenta que usamos para identificar objetos e dar sentido ao mundo ao nosso redor. Até esse ponto, é uma coisa boa e poderosa. O problema é quando algumas pessoas decidem transformá-la em uma arma, como, por exemplo, usar insultos para desonrar outras pessoas.
A escravidão, o colonialismo e as ideologias racializadas, como o apartheid na África do Sul, continuam sendo algumas das piores armas de utilização de nomes por meio de difamações.
Meu coautor e eu argumentamos em nosso artigo que o nome África é uma injúria racial. Aphrike ou aprica refere-se ao clima quente do continente, talvez em exagero, com a falsa impressão de que o continente é “sem frio”. Se o continente é quente e não tem frio, isso o tornaria o proverbial fogo do inferno, não é mesmo?
Veja o significado de aethiops. Aqui, as pessoas encontradas no continente chamado ensolarado, ou sem frio, tornaram-se pessoas com rostos queimados pelo sol. A dedução é que o sol implacável queimou a pele dos habitantes. Quando algo está queimado ou carbonizado, nós o chamamos de preto.
Alguém se pergunta por que os defensores do racismo científico em algumas universidades europeias nos anos 1700 e 1800, especialmente na Universidade de Göttingen, na Alemanha, decidiram classificar os povos indígenas africanos com a cor preta, os índios americanos com o vermelho, alguns povos asiáticos com o marrom, outros com o amarelo e os europeus com o branco?
Argumentamos que esses são vários níveis de degeneração, com exceção da cor branca, que é intocada, pura e imaculada. Em nossa opinião, identificar um ser humano com qualquer cor é racismo. Identificar-se como branco é desconsiderar os outros como não brancos, o que é racismo indireto, e chamar alguém de qualquer outra cor – como negro – é uma subordinação racial direta.
A essência do projeto de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a escravidão, a opressão colonial e a exploração.
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Vocês defendem que o nome da África seja mudado?
Sim, defendemos. Acreditamos que é uma coisa hedionda um continente inteiro ser chamado por uma calúnia. Muitos países da África, como Zâmbia (Rodésia do Norte), Zimbábue (Rodésia do Sul), Burkina Faso (Alto Volta), Gana (Costa do Ouro), mudaram seus nomes após a independência política porque eram alcunhas que rebaixavam sua cultura e negavam suas realizações como civilizações.
Argumentamos que é isso que o continente também deve fazer. Neste caso, é ainda mais pertinente porque o nome África tem alguns cognatos (nomes que têm a mesma natureza ou origem semelhante) realmente terríveis, como aethiops e black (negro), que são a base da moderna segregação racial antiafricana nos Estados Unidos, do apartheid na África do Sul e da contínua subjugação racial em outras partes do mundo.
Em nosso artigo de pesquisa, propusemos pensar em um nome como Anaesia – derivado de duas palavras Igbo-Africanas, ana e esi, que significam terra ou local de origem – como um substituto para o nome África. Um nome como Anaesia fala aos fatos da história sobre o continente como o primeiro lar de todos os seres humanos e onde a primeira língua humana foi falada.
*Jonathan O. Chimakonam é professor associado do Departamento de Filosofia da Universidade de Pretória.
**Este texto foi publicado originalmente no site da The Conversation Brasil.
Dengo, xingar, moleque…Palavras do nosso dia a dia vieram de línguas africanas

Fonte Original do Artigo: g1.globo.com

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