
‘Exposed’ de traição e a cultura do linchamento virtual – 24/07/2025 – Educação
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- 24/07/2025
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Dois vídeos virais com registros de traição conjugal animaram timelines na última semana. Em Boston, Estados Unidos, a câmera do beijo de um show da banda inglesa Coldplay expôs o affair entre o presidente e a diretora de recursos humanos da mesma empresa —ambos casados. Já por aqui, um “chá revelação de traição” gravado na cidade de Quinze de Novembro, interior gaúcho, trouxe à tona uma série de adultérios que teriam sido cometidos por um homem durante a gravidez da esposa.
Ambos os casos renderam esquetes de humor e uma infinidade de memes de todos os tipos. Os perfis dos envolvidos receberam uma enxurrada de comentários ofensivos e degradantes e outras contas fake foram criadas. Também houve quem criasse histórias —como uma declaração falsa do CEO— e quem dissesse que a cena na plateia do Coldplay foi orquestrada, entre outras teorias. A imprensa, por sua vez, publicou reportagens sensacionalistas e outras úteis, abordando as implicações jurídicas que essas situações podem acarretar, inclusive para quem está de fora.
Esse é um ponto importante quase sempre ignorado nesse tipo de fenômeno virtual: qual a nossa responsabilidade no linchamento público de indivíduos que nem conhecemos? Os likes, comentários e compartilhamentos não atingem apenas os adúlteros a quem a audiência quer punir, mas também seus parceiros, filhos e demais familiares que não escolheram essa súbita exposição pública em escala imensurável.
Em artigo publicado no site The Free Press, a jornalista Kat Rosenfield traz um argumento interessante: se no passado aqueles que eram humilhados publicamente eram obrigados a conviver cabisbaixos em sua comunidade, sentindo vergonha e infâmia dos seus, hoje isso se tornou “um esporte para espectadores sedentos de sangue”, que não veem limites ao tomarem para si a missão de achincalhar desconhecidos. O título do texto resume bem a ideia: “O casal do Coldplay fez algo ruim. A internet fez algo pior”.
Ambos os vídeos —o brasileiro e o estadunidense— deveriam suscitar mais do que o óbvio debate moral sobre fidelidade, casamento e adultério. Com o que engajamos, e como engajamos, é de nossa responsabilidade, inclusive quando decidimos integrar júris invisíveis que têm efeitos nocivos na vida de quem, até dias atrás, era anônimo. Vale lembrar que, pelo menos no Brasil, adultério não é crime desde 2005, mas expor e difamar pode trazer consequências jurídicas.
Transformar a curiosidade pela vida alheia em linchamento público diz muito sobre o uso que temos feito das redes sociais, derrubando todas as fronteiras entre o público e o privado de formas que, como Kat Rosenfield afirma em seu artigo, nos transformam em monstros, já que “vibramos com a ruína das pessoas”.