EUA acusam agro brasileiro de desmatamento ilegal

EUA acusam agro brasileiro de desmatamento ilegal

O governo dos Estados Unidos acusa o agronegócio brasileiro de se beneficiar de práticas comerciais desleais, entre elas o desmatamento ilegal.

As alegações servem de base a uma investigação contra o Brasil, aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR) com base na Lei de Comércio americana — a mesma norma usada pelo presidente Donald Trump, em seu mandato anterior, para impor tarifas à China.

Parte das alegações relacionadas ao agro brasileiro são semelhantes às de países europeus, que nos últimos anos têm citado a preocupação com o meio ambiente para justificar barreiras comerciais contra o Brasil.

Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, as críticas são inconsistentes e não se sustentam em um confronto com dados oficiais.

Quais as acusações dos Estados Unidos contra o Brasil

O documento que inicia a investigação cita o desmatamento ilegal e a dificuldade de acesso ao mercado de etanol entre as “ações, políticas e práticas” brasileiras que são “irrazoáveis” ou “discriminatórias e que pesam ou restringem o comércio americano”.

A ordem para investigação chamou atenção principalmente por incluir o Pix e o comércio de produtos piratas na Rua 25 de Março, em São Paulo, mas cita ainda questões relacionadas à corrupção, à proteção de propriedade intelectual e a tarifas preferenciais adotadas pelo Brasil no comércio com parceiros como México e Índia.

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No trecho que trata do desmatamento ilegal, o texto diz que “pecuaristas e agricultores brasileiros têm utilizado áreas desmatadas ilegalmente para a produção agrícola, tanto de gado quanto de uma ampla variedade de culturas, como milho e soja”. 

Acrescenta ainda que “a conversão de terras desmatadas ilegalmente para uso agrícola oferece uma vantagem competitiva injusta às exportações agrícolas ao reduzir custos e ampliar a disponibilidade de terras como insumo”. 

O discurso está na linha com o chamado protecionismo ambiental, explica o economista Felippe Serigati, do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGVAgro). “Você tem a intenção de proteger um determinado setor doméstico e aí faz uso de uma retórica da agenda ambiental para viabilizar isso”, diz. 

A prática tem sido adotada contra o Brasil nos últimos anos principalmente por países europeus, mas agricultores americanos já usaram o mesmo argumento para apontar concorrência desleal da produção brasileira.

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“Há problema de desmatamento ilegal aqui no Brasil? Sim, não dá para dizer que não há. Atribuir isso a um setor, como se fosse o vilão dessa história, é bastante complicado, principalmente considerando que a maior fração, de longe, desse desmatamento se dá em terras com problemas fundiários”, afirma. 

Ele explica que a relação de terras desmatadas com a pecuária em geral tem uma causalidade oposta à considerada pelo senso comum. “Não é a pecuária que está fazendo o uso dessas áreas, é o oposto: os desmatadores estão utilizando a pecuária como justificativa”, diz. 

“A ilustração disso é muito simples: qual é a qualidade da pecuária feita nessas áreas? Não é uma pecuária profissional, não é voltada para o mercado”, acrescenta Serigati.

A suposta preocupação ambiental ainda contradiz ações anteriores do próprio governo Trump, que ao tomar posse anunciou a saída de seu país do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas. 

Ainda em janeiro, um decreto assinado pelo presidente americano suspendeu a ajuda dos EUA ao Programa de Manejo Florestal e Prevenção de Incêndios no Brasil, que era executado pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS, na sigla em inglês), em parceria com o Ibama e outros órgão brasileiros.

Em março, em uma ordem executiva, Trump exigiu uma expansão do corte de árvores em 113 milhões de hectares de florestas nacionais e outras terras públicas, ignorando regulamentações que protegem habitats de espécies vulneráveis.

De acordo com dados da Embrapa Territorial, 66,3% das terras brasileiras correspondem a áreas destinadas à vegetação protegida e preservada. Essa fatia inclui unidades de conservação integral (10,4%), terras indígenas (13,8%), vegetação nativa em terras devolutas e não cadastradas (16,5%) e áreas destinadas à preservação da vegetação em propriedades rurais (25,6%). 

Nos Estados Unidos, para fins de comparação, as áreas destinadas à proteção e preservação da vegetação nativa correspondem a apenas 19,9% das terras, enquanto o uso agropecuário ocupa 74,3% do território, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês).

Entidades do agro preferem não se manifestar sobre investigação de desmatamento ilegal

Entidades do setor, como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) foram procuradas, mas preferiram não se manifestar sobre o assunto. O tema é considerado “muito sensível”, segundo o representante de uma das instituições. 

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por sua vez, divulgou nota na qual manifesta preocupação com o cenário político interno, que, para a entidade, motiva as ações do governo americano.

“Enquanto o Brasil real tenta recuperar sua economia, atrair investimentos, abrir mercados e gerar empregos, a política nacional insiste em girar em torno de uma pauta estéril, paralisante, marcada por radicalismos ideológicos e antinacionais”, diz trecho do texto. 

“A presença dessa agenda como prioridade, inclusive nas relações internacionais, ficou ainda mais evidente com a carta do presidente Donald Trump, um gesto simbólico, mas que reverberou nas instituições brasileiras e criou novo ruído na imagem do país no exterior”, prossegue. 

Para a CNA, o país deveria estar consolidando sua posição como fornecedor estratégico de alimentos, energia limpa e minerais críticos, mas acabou voltando às manchetes internacionais “não por suas oportunidades, mas por suas crises políticas pessoais internas”. 

Segundo a nota, o Congresso Nacional, pressionado por suas bases políticas, perde tempo em disputas e manobras que têm pouco a ver com os interesses econômicos do país. O Judiciário é citado como “envolvido em um protagonismo institucional que, embora muitas vezes necessário, alimenta uma instabilidade constante”. 

A entidade responsabiliza ainda o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Em vez de assumir a liderança de uma agenda pragmática e pacificadora, optou por reabrir feridas políticas, reforçando antagonismos e muitas vezes tratando adversários como inimigos”, diz a nota. 

“Essa escolha tem custo. A confiança empresarial, a previsibilidade regulatória e a estabilidade institucional, pilares de qualquer economia saudável, são minadas quando o próprio governo entra no jogo da revanche”, afirma a CNA. 

“Precisamos de reformas estruturais que destravem o crescimento, de segurança jurídica, de um ambiente político que permita pensar no médio e longo prazo. Nenhum investidor aposta num país preso em disputas do passado”, conclui a entidade na nota. 

Indústria do etanol defende comércio bilateral entre países

Outra prática considerada comercialmente injusta pelos Estados Unidos para abrir a investigação contra o Brasil diz respeito ao mercado de etanol. Os dois países são os maiores produtores globais do biocombustível, somando, juntos, 80% da produção mundial.

“Os Estados Unidos sofrem com tarifas mais altas sobre o etanol impostas pelo Brasil e com um comércio desequilibrado resultante da decisão brasileira de abandonar o tratamento recíproco e praticamente livre de tarifas, que anteriormente promovia o desenvolvimento das indústrias de ambos os países e um comércio próspero e mutuamente benéfico”, diz o documento da USTR que abre a investigação. 

Representantes da cadeia de produção do etanol no Brasil reagiram ao ato. Em nota conjunta, a Bioenergia Brasil, que representa o setor sucroenergético brasileiro, e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), defendem que “o comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos, historicamente construído sobre bases de respeito mútuo, precisa ser preservado e fortalecido”. 

As entidades afirmam ter “confiança no governo brasileiro”, que segundo elas “tem demonstrado firmeza, altivez e competência diplomática na defesa dos interesses nacionais, especialmente em setores estratégicos como os biocombustíveis”.

Destacam ainda que, programas como RenovaBio, Combustível do Futuro e Mover demonstram coerência entre a política energética nacional e compromissos assumidos pelo país em fóruns multilaterais e reforçam o comprometimento do setor com o desmatamento zero. 

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Para Felippe Serigati, da FGVAgro, a cronologia da novela do tarifaço contra o Brasil deixa claro que as razões para a abertura da investigação não são econômicas. “Não é nem a minha opinião, o próprio Trump disse que há motivação política”, diz. 

Na correspondência endereçada a Lula na semana passada, o presidente americano citou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e disse ser “uma vergonha internacional” seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

“A primeira carta ainda alegava déficit comercial dos Estados Unidos com o Brasil, e os dados estão aí, não é nem uma questão de interpretação, é uma questão algébrica”, destaca Serigati, referindo-se à balança comercial superavitária para os americanos nos últimos 15 anos. 

Além disso, diz, a tarifa aplicada pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros é, na média ponderada pelo fluxo de produtos, superior à tarifação imposta pelo Brasil no sentido oposto.

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Fonte Original do Artigo: www.gazetadopovo.com.br

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