
De quantos conchavos se faz um conclave? – 23/04/2025 – Sérgio Rodrigues
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- 23/04/2025
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Enquanto os olhos do mundo se voltam para o Vaticano, à espera do conclave que elegerá o sucessor do grande Francisco, aqui deputados minúsculos fazem conchavos para anistiar golpistas e contratar a extinção de seu próprio habitat, a democracia.
Devo ao leitor Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador na Unesp, a providencial lembrança de que o substantivo conclave, termo de jeitão solene que está na ordem do dia, é irmão de conchavo, palavrinha popular e desprovida de pompa que costuma exalar um aroma de mutreta.
Nos dois casos, temos a mesma ideia de ambiente que se fecha com chave, “clavis”. No conclave, enfatiza-se a reclusão, o quase encarceramento; no conchavo, o sigilo do que só pode ser dito entre quatro paredes.
Aí você pode perguntar: como foi que as duas palavras vieram a se tornar tão diferentes depois que a história as separou na maternidade?
Em primeiro lugar, não convém esticar demais a metáfora –gêmeos, a rigor, os vocábulos não são. Conclave nos chegou no século 15 de “conclavis”, que no latim clássico queria dizer apenas quarto fechado a chave, alcova.
Conchavo surgiu no português dois séculos mais tarde como forma substantivada curta (derivação regressiva é o nome técnico) do verbo conchavar. Este saíra do latim tardio “conclavare”, que queria dizer reter alguém, não deixar sair.
Repare que no conclave, de formação culta, “clavis” mantém sua feição latina, como mantém no claviculário (quadro onde se penduram chaves). No conchavo, popular, “clavis” se aportuguesa no chiado da chave.
Antes de virar uma tradição de oito séculos, o sentido eclesiástico de conclave —cardeais trancafiados até elegerem o novo pontífice— nasceu de uma medida de força adotada para obrigar os bonitões a dar fim a um impasse de quase três anos na sucessão do papa Clemente 4º, morto em 1268.
Já no conchavo, explica o filólogo Antenor Nascentes, a ideia de “fechar dois ou mais em um quarto” se desdobrou na de “pôr de acordo” —e logo na de “pôr de acordo para maus fins”. Afinal, se os fins fossem lícitos, por que se faria segredo?
Só podemos imaginar com quantos conchavos se faz um conclave, pois até as estatuetas de Francisco à venda na loja do Vaticano sabem que a política envolvida numa escolha como essa é tão complexa que talvez desafiasse o próprio Gilberto Kassab.
A julgar pela direção dos ventos que empurram nossa nau de insensatos para a extremidade direita da Terra plana, não será surpresa se o próximo papa for um palhaço sinistro que restaure as fogueiras da Inquisição sob o lema “Make the Church Grate Again” —algo como “Torne a Igreja uma Grelha de Novo”.
Nesse dia, talvez a gente se lembre com saudade de Francisco, que chefiou uma das instituições de maior capivara da história com uma dignidade incompreensível, um humanismo datado, um senso de humor estapafúrdio, uma humildade incongruente. Que sujeito extravagante, pensaremos então. Não via que estava na contramão de tudo?
O que o mundo ficou pior desde que perdeu Francisco não cabe em palavras. Boa sorte aos conclavistas.
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