COP30: ‘Todos ignoram o custo da inação na crise do clima’ – 12/06/2025 – Rede Social

COP30: ‘Todos ignoram o custo da inação na crise do clima’ – 12/06/2025 – Rede Social

Como diretora-executiva da COP30, Ana Toni tem repetido em diversos fóruns mundo afora que mobilizar US$ 1,3 trilhão para o combate da crise climática é do interesse de todos os países e não só daqueles em desenvolvimento.

“Está todo mundo ignorando o custo da inação”, diz ela, lembrando que o preço está sendo pago pelos indivíduos que sofrem as consequências de eventos climáticos extremos, como enchentes no Rio Grande do Sul e incêndios em Los Angeles.

A economista que assumiu a secretaria nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente em março 2023 defende que a 30ª conferência do clima a ser realizada em Belém, seja a COP da implementação e de ações concretas, mesmo diante da crise do multilateralismo e da saída dos EUA do Acordo de Paris.

A seguir, os principais trechos da entrevista em que ela falou também dos problemas de Belém para abrigar a conferência e da exploração de petróleo no Amazonas.

O financiamento climático insuficiente está no centro do debate da COP30. Que perspectivas temos nessa seara? Como queremos fazer uma COP da implementação é vital recursos financeiros. Nas outras COPs, o tema era os grandes, o US$ 1.3 trilhão. Esperamos nessa COP falar de financiamento de uma maneira mais granular. Financiamento para reflorestamento, para renováveis, para adaptação.

Queremos trazer quem tem os instrumentos econômicos, os financiadores, as prefeituras, o setor privado para que esses projetos virem reais. O debate de financiamento estava muito no nível político e ainda está, mas percebo que agora é mais específico.

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, fala de negacionismo econômico em relação à crise climática. Não sei o que o André quis dizer, mas na minha perspectiva é que está todo mundo ignorando o custo da inação. Custo que está sendo pago pelos indivíduos que sofrem com enchentes ou seca, perdendo seus bens, e também pelas seguradoras e muito mais pelo Estado.

O custo da inação recai nos orçamentos públicos de países em desenvolvimento, como na tragédia no Rio Grande do Sul. É insustentável pagar o custo da inação.

Tem essa cegueira, porque investir na transição não é visto como investimento e poupança, em vez de gastar depois do desastre. Estamos ainda na gestão de desastres, em vez de fazer uma gestão de risco e prevenção. Como isso está deteriorando a nossa capacidade de financiar desenvolvimento. É o mesmo recurso. O dinheiro de construir uma escola vai para a reconstrução pós-enchente.

Desastres como os corridos na Califórnia, na Espanha, no Rio Grande do Sul, no Pantanal podem pressionar por mais ações e recursos? Certamente. Estamos pedindo para economistas nos ajudarem, trazendo o custo da inação. É muito grande, mas invisível. O desastre do Rio Grande do Sul custou R$ 100 bi. Quem pagou pelo que aconteceu em Los Angeles? Tem pessoas pagando com as próprias vidas. Foram mais de 3.000 mortes no ano passado.





Não será uma COP em que todo mundo vai ficar em hotéis 5 estrelas, mas será uma COP muito mais real, com problemas de saneamento, energia, pobreza. Mostrar as dificuldades, tanto da floresta amazônica quanto de Belém, vai nos inspirar a tomar decisões mais contundentes

Na Itália, uma lei agora obriga todo mundo a ter um seguro mínimo para desastres climáticos. Em outros países, tem seguros obrigatórios para a infraestrutura pública. Seguro é bem-vindo, mas encarece e tem que fazer parte de um pacote de mitigação e adaptação como prioridade.

Por que a agenda climática que tem a ver com a nossa sobrevivência e a do planeta continua a ser tão atacada como vimos no episódio envolvendo a ministra Marina Silva no Senado? Estamos no meio da transição. Temos uma economia baseada em combustível fóssil e numa agricultura expansionista com poder ainda muito consolidado na política.

Uma ministra maravilhosa como Marina Silva já está muito na frente e sempre esteve da política real, que é feita com pressões do poder econômico, hoje na mão das companhias de combustíveis fósseis, que já tem um lobby organizado, e dessa minoria do agronegócio que continua destruindo. Pessoas como a ministra, que têm coragem de colocar o dedo na ferida, são atacadas. Atacam o mensageiro que está nos ajudando a fazer a transição, em vez de lidar com as causas de destruição no planeta.

Ecologia lá atrás era coisa de “ecochatos”. Como dialogar e engajar mais? Comecei nos anos 1990, quando a sociedades civil e os ambientalistas trouxeram de maneira contundente essa agenda. E acho que tivemos sucesso. Mas a gente percebeu que trazer o pânico não engaja.

O que engaja é falar mais de soluções. Mostrar que você, como indivíduo, consumidor, eleitor, mãe ou amiga, pode fazer diferença no seu dia a dia. Isso é tão importante quanto pressionar governos a fazerem o seu papel. A gente colocava o peso da mudança só nos governos federais e nas empresas, que são fundamentais, mas cada um de nós pode contribuir. Por isso, a chamada de um mutirão global que a COP30 tem feito, em vez de só apontar o dedo para os que não estão fazendo.

Chamar de mutirão é uma maneira de acolher e mostrar que é uma ação coletiva. Temos mais de 30 enviados especiais que falam com suas próprias bolhas, seja da agricultura, seja de direitos humanos, seja de mulheres. Essa governança da presidência da COP30 está muito porosa a esse mutirão. Temos trazido os círculo de ministros, de povos, do balanço ético global. É a primeira vez que se faz isso numa COP.

Como ser uma COP mais inclusiva diante do desafio de logística e os preços exorbitantes praticados em Belém? Para participar do mutirão e do combate à mudança do clima, você não precisa ir para COPs. Você pode fazer muito do seu próprio território, da sua escola, do seu município. Quem quiser ir a Belém, seja sociedade civil, seja setor privado, tem que ser bem recebido.

Belém é uma cidade que nos representa muito bem. Tem, sim, problemas em termos de acomodação. O governo federal, o estadual e o municipal têm trabalhado juntos para ampliar o máximo possível as acomodações. Não será uma COP em que todo mundo vai ficar em hotéis 5 estrelas, mas será uma COP muito mais real. Com problemas de saneamento, energia, pobreza. Não iremos por duas semanas para um lugar blindado de vida real.

Mostrar as dificuldades reais, tanto da floresta amazônica quanto de Belém, vai nos inspirar a tomar decisões mais contundentes. Sabemos que a mudança do clima é o maior acelerador de pobreza e desigualdade. E vamos estar numa cidade que representa esses desafios, e os tomadores de decisão vão se lembrar disso.

Fico contente que o Brasil é um país que não esconde seus desafios em relação a desmatamento, a combustível fóssil ou à logística.

Como o debate climático dominado por questões ambientais, como garantir que o social esteja também no centro da agenda? O debate climático é para muito além do clima. Ele é econômico, social e geopolítico. Uma das primeiras atitudes do governo Trump foi sair do Acordo Paris. Tem uma briga comercial com a China muito por causa de tecnologias de baixo carbono.

Obviamente, tem um limite do que trabalhar em clima para resolver desigualdades históricas. A mudança do clima se tornou um tema transversal. E as COPs se transformaram nesse lugar transversal, como se todos os problemas sociais e econômicos pudessem ser resolvidos ali. Infelizmente, não é o caso.

O que o Brasil quer comunicar ao mundo ao sediar a conferência no coração da floresta? A primeira mensagem é mostrar o potencial que temos em trabalharmos juntos pela preservação da natureza, que foi o que o presidente Lula disse quando convidou todos e todas para vir para o Brasil e decidiu que a COP seria na Amazônia. É nossa responsabilidade cuidar da Amazônia, mas precisamos que outros nos ajudem.

O lançamento do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) é uma maneira de falar que se você se importa com a Amazônia tem como contribuir. E se você não diminuir as suas emissões na China, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, mesmo diante de tudo que se possa fazer na preservação, a Amazônia pode chegar no seu tipping point [ponto de inflexão, de não retorno].

É preciso mostrar que esses problemas estão conectados e que temos a oportunidade de preservar a Amazônia, o que depende de uma ação coletiva, multilateral, o que a COP representa. É a primeira vez que a gente vai ter uma COP num ponto de inflexão, simbolicamente mostrando a urgência da crise climática.

A COP pode ser vitrine para o Brasil como celeiro de soluções baseadas na natureza? Certamente é uma oportunidade de ter um salto imenso sobre o debate de financiamento para a natureza. O Brasil já desenvolveu tantos instrumentos econômicos, como o Fundo Amazônia e o EcoInvest, para agricultura regenerativa e recuperação de áreas degradadas. Temos pagamento por serviços ambientais, um mercado de carbono.

Espero que o debate sobre o financiamento da natureza seja outro após a COP30, mostrando a relação entre clima, biodiversidade e desertificação. No G20, trouxemos pela primeira vez os princípios da bioeconomia. Temos no setor privado, no governo federal, nos governos estaduais e municipais e na sociedade civil uma cesta de soluções para essa transformação do uso da terra que é tão real quanto a transição energética.

Como fica a posição brasileira quando se está discutindo a exploração petrolífera no delta do Amazonas? A gente acordou na COP28 transitar para o fim de combustíveis fósseis, o próprio presidente Lula já falou que temos que acabar com a nossa dependência. Isso foi reafirmado pela ministra Marina Silva, pelo nosso ministro da Fazenda. Esse é um debate mais recente no Brasil. Antes estávamos muito focados no combate ao desmatamento.

Ter esse debate neste momento da COP é bem-vindo no sentido de o Brasil não se furtar de fazer debates necessários. Espero que o debate não seja tão polarizado, mas baseado em dados, trazendo todo mundo para a mesa. Essa transição não é fácil. Não é só depender do petróleo, seja como produtor, seja como consumidor, mas também a dependência financeira dos países. Precisamos fazer essa transição de maneira ordenada, equitativa e justa. E nessa década crítica.

Que legado pode se esperar desta COP em momento de enfraquecimento do multilateralismo? Um dos legados é reforçar o multilateralismo, vital para o combate à mudança climática. Temos que reforçar isso seja com o número de NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas, da sigla em inglês, para metas e compromissos de redução de emissões], seja no compromisso de implementação.

Um segundo legado é iniciar uma nova década da aceleração da implementação, olhando projetos, capacidades, tecnologias, financiamentos, em vez de ficar só nas promessas. Um terceiro legado é colocar a adaptação no mesmo nível de mitigação.

A mudança do clima já chegou, estamos vendo os desastres. Temos que nos comprometer em proteger os mais vulneráveis e mostrar que as pessoas e o setor privado têm que fazer parte da adaptação.


Raio-X

Ana Toni, 61

Nascida em São Paulo, a economista é doutora em ciência política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com mestrado na London School of Economics. Foi diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, de onde saiu para ocupar a secretaria nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. Foi presidente de Conselho do Greenpeace Internacional e diretora da Fundação Ford no Brasil.

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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