Cadáveres fresh frozen vêm do exterior para cursos – 25/10/2024 – Equilíbrio e Saúde
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- 25/10/2024
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As redes sociais entraram em polvorosa com o oferecimento de cursos de estética em cadáveres fresh frozen, termo médico que indica que são cadáveres frescos conservados congelados, sem uso de formol. A comoção se agravou com a informação de que os corpos seriam importados.
E são mesmo, segundo Kelly Ricca, diretora de ensino do Instituto de Treinamento em Cadáveres. Em entrevista à Folha, a dentista não deu detalhes de valores ou de onde vêm os corpos. Segundo ela, isso comprometeria a operação. O que a dentista diz é que muitas compras são feitas em dólar.
Instituições como o Centro de Treinamento em Cadáveres, Nepuga, Ramaga e Instituto de Treinamento em Cadáveres oferecem, principalmente, cursos de estética como preenchimentos com ácido hialurônico e aplicações de outros produtos injetáveis com corpos frescos.
No Brasil, a compra e venda de corpos é proibida. Mas existe uma regulamentação para uso de cadáveres para estudos. A norma, de 1992, é repleta de lacunas, segundo Henderson Furst, presidente da Comissão de Bioética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Segundo a lei, “o cadáver não reclamado junto às autoridades públicas, no prazo de trinta dias, poderá ser destinado às escolas de medicina“.
Não há orientações para a doação voluntária de corpos para a pesquisa e ensino, nem sobre a venda. A única orientação sobre importação diz respeito a restos mortais, a resolução 662 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O ITC (Instituto de Treinamento em Cadáveres) é uma das instituições que usa os cadáveres frescos. “A gente é praticamente 100% dependente do mercado externo”, afirma o dentista Mohamad Abou Wadi, à frente do instituto.
Na seção de perguntas frequentes do site do ITC, a resposta para a origem das peças é apenas que “as peças chegam de fora do Brasil, sem origem especificada”.
A reportagem falou com um médico familiarizado com os processos de uma das unidades do ITC, que acompanhou a compra de cabeças humanas pela instituição.
O médico, que pediu para não ser identificado, diz que cada cabeça pode custar até R$ 10 mil. Elas vêm dos Estados Unidos, por meio de sistemas em que famílias que não podem arcar com os custos de velório doam o corpo para a ciência.
Diversas empresas oferecem o serviço, americanas e europeias, caso da Novusarge, na Turquia e Science Care, nos EUA. Universidades americanas indicam em seus sites que aceitam doações de corpos, como a Indiana University e a Universidade da Califórnia-Davis.
A reportagem solicitou mais informações sobre as transações com a Anvisa, o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Ministério da Justiça, a Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Nenhum deles deu detalhes do que as duas resoluções já mencionadas.
A Anvisa afirmou que não se trata de uma competência da alçada da agência. O MEC não respondeu sobre a regulamentação de compra de cadáveres no exterior para uso em salas de aula. A SSP afirma que o Instituto Médico Legal não tem autorização para doar corpos ou parte deles.
A Receita Federal, por onde os corpos comprados devem necessariamente passar, não respondeu à solicitação de imprensa.
Segundo profissionais da área, inclusive Ricca, a vantagem dos cadáveres frescos é que eles conservam algumas características dos tecidos humanos que se perdem na conservação química.
Furst afirma que os corpos podem ser usados em qualquer nível de ensino superior, tanto na graduação, quanto em cursos de pós-graduação latu ou stricto sensu. Ele diz que o Código Civil veda a comercialização de corpos humanos, tecidos ou células. “Mas isso só vale para negócios realizados no Brasil. Não incide sobre negociações internacionais.”
“Na ausência de outra regra específica ou de uma proibição expressa, fica valendo a importação de corpos para fins de ensino”, diz. Eis a brecha.