
Anorexia e bulimia: usar roupas infantis foi uma conquista – 07/02/2025 – Não Tem Cabimento
- Saúde
- 07/02/2025
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Depois do famoso “estirão”, aos 11 anos, finalmente deixei de ser criticada por meu peso na escola. Recebi meu corpo de pré-adolescente como um presente. Passei a usar roupas nos tamanhos sugeridos à idade, já que até ali estava sempre com peças feitas para pessoas mais velhas; as de crianças não me cabiam.
Com a grande oportunidade de diminuir minhas proporções, nutri o transtorno alimentar que já me acompanhava com a prática de exercícios de forma punitiva e dietas malucas que combinavam informações de revistas famosas voltadas para o público feminino.
“Menos 4 kgs em 2 semanas”. “Perca 4 kgs em 20 dias com sopa que sacia e queima gordura”. “Sou feliz com meu corpo”, diz a atriz Priscila Fantin na capa de uma revista que a descreve como “longe de ser magrinha”. Eis o acervo para a minha coleção de problemas para solucionar e fórmulas milagrosas para testar. Se famosas (magras) eram publicamente reduzidas a seus corpos, o que seria de mim? Foi assim que a restrição sistemática me levou à purgação.
Anos depois cheguei à faculdade mais magra do que nunca. Mas não sabia. Não enxergava porque já sofria com distorção de imagem. Continuava buscando roupas sempre menores como forma de validação dessa magreza que eu não via, mas às vezes entendia que os outros viam.
Eu era uma criança que usava calça 40, chamada de gorda pelo seu pai ausente desde os 4 e frequentemente atacada por seu peso na escola, que tinha alcançado o tamanho 36. Uma grande conquista. Sabe o que isso significa? Nada, e ao mesmo tempo muito, porque aquelas ideias tão sólidas pautavam meu valor. Se não fosse magra, melhor nem ser nada.
Tamanho G adulto, nem pensar. Calça número 40, nunca mais. Pouco importa se as confecções têm padrões diferentes. Depois de conquistar o manequim 36, a única opção era diminuir. Recebi um novo presente da vida quando comecei a usar roupas infantis. Sim, claro. Se até meus pés estavam magros a ponto de os sapatos saírem, que tal tentar uma blusinha infantil tamanho M? Nesse caso, pode até ser maior. Vai que serve?
E muitas, grande parte delas, serviam. Que alívio imenso caber numa camiseta de criança, emprestar uma peça da minha prima 12 anos mais nova. O sabor dessas recompensas me afastava das fatias de pão, dos pedaços de bolo, dos copos de refrigerante. Meu paladar se adaptava e, pouco a pouco, deixava de apreciar as coisas que todo mundo gostava. Eu percebia o estranhamento ao dizer que não gostava muito de pudim, mas o que importa? Hoje fico em dúvida se eu não gosto ou só me convenci.
Trancafiada em roupas minúsculas e sapatos pequenos nutri meu transtorno alimentar com diversas formas de medir e controlar o meu corpo. Hoje, há anos sem vomitar, buscando comer sem restrições, fazendo exercícios etc, escrevo esse texto de dentro da minha calça 40 e blusa M. Racionalmente eu sempre soube que essas etiquetas não dizem nada sobre mim –assim como os números na balança.
Mas ainda preciso de ajuda na hora de entender se uma roupa cabe em mim. Depois de tanto tempo meu cérebro continua sem entender os tamanhos das coisas que meus olhos veem.
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