
A esquerda aprendeu a viralizar? – 07/07/2025 – Encaminhado com Frequência
- Política
- 07/07/2025
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O uso de inteligência artificial na política brasileira começou de forma tímida, quase artesanal. Em 2022, ainda era difícil produzir deepfakes críveis. Apesar disso, circularam vídeos falsos em que William Bonner insultava candidatos do campo progressista e áudios atribuídos a Ciro Gomes que pregavam intervenção militar.
Nas eleições municipais do ano passado, a tecnologia chegou com mais força à disputa eleitoral. Um exemplo é o da campanha de Tabata Amaral, que denunciou deepfakes que sexualizavam sua imagem, marcando o uso da IA como instrumento de ataque político direto. Em maio deste ano (2025), Buenos Aires foi palco de um dos episódios mais emblemáticos até então: um vídeo falso simulando Mauricio Macri apoiando o candidato de Javier Milei viralizou na véspera das eleições e ajudou a coalizão de Milei a conquistar a capital argentina pela primeira vez.
Até aqui, o uso político da IA parecia experimental e pontual. Isso mudou nesta semana quando, pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores lançou mão de uma série de conteúdos gerados por inteligência artificial que não só viralizaram, como passaram a disputar hegemonia narrativa nas redes.
O exemplo mais contundente é o vídeo do “boteco do Brasa”, publicado pelo perfil do PT no Instagram. A peça simula uma conversa de bar entre ricos e pobres discutindo quem deve pagar a conta, em alusão à proposta de taxação dos bilionários, bancos e apostas —a chamada “taxação BBB”. O vídeo ultrapassou 20 milhões de visualizações, um salto colossal frente à média dos reels do partido, que costuma girar em torno de 50 mil.
Mais do que uma exceção, vídeos como o “boteco do Brasa” foram o primeiro gol explícito da esquerda no campo dos conteúdos políticos gerados por IA. Em seguida, vieram outras peças: paródias com o presidente da Câmara, Hugo Motta, cenas de luxo, vídeos com linguagem acessível sobre justiça tributária. Todos com estética sintética, roteiros populares e alcance massivo.
O que parece explicar esse novo momento é, em parte, a tecnologia. O lançamento recente do Veo 3, ferramenta de geração de vídeo da Google, reduziu drasticamente a barreira técnica para produzir vídeos sofisticados com IA. Com legendas, cenários, dublagens e edição automatizada, o Veo facilitou a produção de vídeos impactantes e começou a ser explorado como ferramenta tática.
A vantagem estrutural na guerra digital tem sido da direita. Com redes mais engajadas, estética mais definida e uma máquina de produção de conteúdo bem organizada, a direita soube ocupar as redes com eficiência e velocidade. O esperado parecia ser que o avanço da IA amplificaria essa vantagem. Mas o efeito pode ser o oposto.
Ao automatizar e baratear radicalmente a criação de conteúdo, os modelos de IA reduzem o custo de entrada no jogo narrativo. Agora, qualquer pessoa com uma ideia e um prompt pode criar uma peça audiovisual de impacto. O “boteco do Brasa” mostra que um vídeo gerado por IA, com estética acessível e discurso alinhado, pode competir no volume e no alcance.
Isso não significa, no entanto, que o jogo esteja empatado. A IA pode equilibrar a disputa na produção, mas o campo da distribuição segue amplamente dominado pela direita. O monitoramento de mais de 100 mil grupos de WhatsApp feito pela Palver mostra que, entre as mensagens mais virais sobre o governo Lula nesta semana, 57% são desfavoráveis. A ofensiva digital da esquerda viralizou nas plataformas abertas, mas ainda não rompeu a barreira das conversas cotidianas —onde a oposição segue majoritária.
O que podemos aprender dessa vitória da esquerda é que a disputa simbólica está aberta. Mas vencer essa disputa exige consistência, frequência e capacidade de distribuição em rede.
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