1º prefeito negro de SP fez viadutos e parques infantis – 29/09/2024 – Poder

A cidade de São Paulo só teve dois prefeitos negros entre os mais de 50 que comandaram a capital paulista no período republicano.

Indicado pelo então governador do estado Ademar de Barros, Paulo Lauro foi o primeiro e esteve à frente do Executivo municipal de agosto de 1947 a agosto de 1948.

Somente 50 anos depois uma pessoa negra voltaria à gestão da cidade. Celso Pitta foi o primeiro prefeito negro a ser eleito diretamente pelo voto e o segundo a liderar o governo paulistano. Esteve no cargo entre 1997 e 2001.

Advogado nascido em Descalvado, no interior paulista, Paulo Lauro se notabilizou nas áreas criminal e eleitoral —segundo relato de contemporâneos, foi um dos maiores especialistas em direito eleitoral do país no seu tempo. Versátil, ele também atuou como jornalista e professor.

Na década de 1930, ficou famoso ao defender um homem acusado de matar quatro pessoas em um caso que ficou conhecido como “o crime do restaurante chinês“, tema de um livro do historiador Boris Fausto (1930-2023). O homem foi absolvido por insuficiência de provas e a atuação de Paulo Lauro como advogado no processo lhe rendeu projeção na cidade.

Com apenas um ano à frente do governo —era comum que prefeitos nomeados ficassem pouco tempo na função—, Paulo Lauro inaugurou parques infantis e mercados distritais. Entre suas obras de maior destaque, estão os viadutos Dona Paulina e Nove de Julho, ambos na região central da cidade.

A trajetória política dele é alvo de algumas críticas. Segundo Ramatis Jacino, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), Paulo Lauro reproduziu na cidade de São Paulo as políticas do então governador do estado Ademar de Barros, seu padrinho político.

“Por conta da falta de autonomia política, uma vez que foi nomeado e não eleito, ou por conta de seus compromissos incontornáveis com as oligarquias rurais”, diz.

“São Paulo vivia grande expansão econômica, e o governo Ademar, no espírito da frase ‘São Paulo Não Pode Parar’, se destacava como aquele que investiu em estradas e obras urbanas”, afirma o professor, membro do núcleo de estudos africanos e afro-brasileiros da universidade.

Jacino diz que a nomeação de Paulo Lauro causou incômodo na “conservadora e racista sociedade paulistana de então”. Segundo o professor, entretanto, a presença de pessoas negras na política naquele período, embora incomum, não era inusitada.

“Contudo, a resistência deve ter sido atenuada porque, quando nomeado, Lauro já possuía certa notoriedade. Além disso, havia sido indicado por um legítimo representante do establishment paulista. De qualquer forma, se tivesse sido candidato dificilmente seria eleito para um cargo majoritário”, afirma.

“Era um homem negro absolutamente comprometido com os interesses das elites brancas, não reivindicava sua condição racial.”

A Fundação Cultural Palmares apresenta uma outra visão. Lauro consta no site da instituição na lista de Personalidades Negras, citado como “um grande exemplo de homem, político e advogado”.

A instituição destaca ainda que Lauro deixou escritos “preciosos” e cita como exemplo obras como “Prática da Legislação Eleitoral”, “Código Eleitoral Comentado” e “Lei de Inelegibilidade Explicada de Forma Prática”.

Para Jacino, a presença de Paulo Lauro na política paulistana pode ter sido importante do ponto de vista simbólico, para elevar a autoestima da população negra.

“No entanto, devido a ausência de qualquer compromisso com a população negra por parte daquele governante e pelo fato de que nem mesmo, até onde sabemos, tenha em algum momento se assumido como negro, não creio que sua presença tenha contribuído para uma maior participação política”, afirma o professor.

Depois da prefeitura, Paulo Lauro atuou como deputado federal ao longo das décadas de 1950 e 1960.