Paraisópolis é 9°C mais quente que o Morumbi – 24/09/2024 – Ambiente

Paraisópolis é 9°C mais quente que o Morumbi – 24/09/2024 – Ambiente

As ondas de calor, cada vez mais frequentes e longas no Brasil, são ainda mais quentes para grupos específicos. Os bairros Morumbi e Paraisópolis, símbolos de desigualdade socioeconômica em São Paulo, também contrastam no calor: a diferença entre os vizinhos ricos e pobres chega a 9°C.

O caso, na zona sul da capital paulista, expõe uma desigualdade climática que se repete em outras regiões do país, dizem cientistas.

As pesquisas na área, que medem a temperatura superficial, a temperatura do ar e o conforto térmico, apontam que bairros pobres tendem a ser mais quentes pela baixa quantidade de árvores, a alta densidade populacional e o tipo de construção.

Um estudo conduzido por professores da Universidade Presbiteriana Mackenzie mostra uma diferença média de 2°C nas temperaturas medidas na Associação de Moradores e Comerciantes de Paraisópolis e na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, centro cultural no Morumbi, de setembro a novembro de 2023.

Na comparação das temperaturas máximas, porém, a diferença chegou a 6°C.

Em relação ao conforto térmico, a disparidade é ainda maior. Em setembro do ano passado, foi registrada uma temperatura 10°C mais alta em Paraisópolis, de acordo com o Índice Termoclimático Universal, usado para medir as condições térmicas em relação ao corpo humano.

No dia mais quente observado em Paraisópolis, o índice chegou a 44°C, considerado de “estresse muito forte para o calor”. Nesse dia, foram registrados 34°C no Morumbi, nível de “estresse forte”. Acima de 46°C, segundo a medição, há estresse extremo. A temperatura ideal para o corpo, por sua vez, está entre 18°C e 26°C.

O estresse térmico pode levar a desidratação, fadiga, tontura, desmaios e falha nos rins, além de maior chance de infarto e AVC. Em casos extremos, até à morte, explica o médico Fábio Freire, diretor da SBCM (Sociedade Brasileira de Clínica Médica).

No início deste mês, Loyde Harbich, professora de conforto ambiental do Mackenzie, voltou ao Morumbi e a Paraisópolis para comparar as temperaturas. Ela registrou diferença de 5°C entre o bairro de elite e a favela no dia 11 de setembro.

Os desconfortos do calor são percebidos pelos moradores de Paraisópolis. A auxiliar de limpeza Camila da Silva, 28, diz sentir que os dias estão cada vez mais quentes, especialmente por lá.

“Quando a gente sai de Paraisópolis, já dá para perceber que tem mais vento, porque lá dentro as casas são muito coladas umas nas outras”, afirma.

Ela conta que, na última onda de calor, as ruas ficaram cheias de pessoas tentando se refrescar, e os postos de saúde lotaram em consequência das altas temperaturas.

Nesse período, a empreendedora social Elizandra Cerqueira, 36, sofreu uma crise de enxaqueca, além de ter convivido com tosse por dias. “O ar fica muito seco, não chove e a poluição fica muito concentrada”, diz. A filha de 11 anos, afirma, passa mal no calor, “sufocada, evitando sair de casa”.

Estudo realizado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), que lançaram a plataforma UrbVerde, mostra que a temperatura de superfície de Paraisópolis chega a ser 9°C mais alta que a do Morumbi.

Assim, Paraisópolis foi considerada uma ilha de calor, enquanto o Morumbi foi apontado como “área de frescor”.

“Dentre os fatores que influenciam, tem os telhados de alvenaria, que absorvem mais luz do sol, mas a principal diferença mesmo é a vegetação”, diz Gustavo Menezes, um dos desenvolvedores da plataforma. As árvores, segundo ele, são a melhor tecnologia para o resfriamento da cidade.

Elizandra, moradora da comunidade há 35 anos, recorda quando o calor era forte, mas não “insuportável”.

“Há uns 20 anos, a gente ainda tinha áreas verdes que não eram ocupadas. Conforme o Morumbi foi se desenvolvendo e pessoas passaram a vir morar em Paraisópolis para trabalhar lá, a região ficou mais populosa e hoje tem zero arborização”, diz a empreendedora, que cresceu em uma casa com árvore no quintal.

O Morumbi, planejado, segue com maior rigor as leis que controlam quanta vegetação pode ser removida para construções. As moradias, muitas delas casas espaçosas, são cercadas por árvores de grande porte, que também aparecem nas calçadas da região —originalmente uma fazenda de chá.

Uma dessas mansões é a Casa de Vidro, construída pela arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) em 1951. As grandes janelas, que dão para as copas das árvores, criam corredores de vento que resfriam o ambiente —a casa que hoje abriga o Instituto Bardi não tem ar-condicionado.

Condições como essa de área verde e adaptação climática, diz Menezes, são um privilégio de poucos em São Paulo. Segundo levantamento da UrbVerde, 87% dos paulistanos moram em áreas com percentual de cobertura vegetal abaixo da média recomendada. A desigualdade socioambiental na cidade foi apontada como de 0,6, em um índice que vai de 0 a 1.

As ruas sem vegetação de Paraisópolis deixam as superfícies mais expostas ao sol e dificultam a evapotranspiração —importante meio de resfriamento natural. Além disso, as estruturas predominantemente compostas por asfalto, tijolos e concreto, com coberturas expostas (as chamadas lajes), absorvem mais calor, e as casas pequenas e coladas umas às outras dificultam a circulação de ar.

Isso tudo contribui para o registro de temperaturas mais altas, resume Eduardo Pizarro, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Ele ressalta, porém, que apesar do desempenho térmico do Morumbi ser melhor que o de Paraisópolis, o bairro não é um modelo a ser replicado, considerando fatores do urbanismo como a quantidade de espaço ocupada por poucas pessoas e a identidade local.

“O desafio que fica é como requalificar Paraisópolis e outros assentamentos autoconstruídos e periféricos por meio de estratégias ambientais específicas, simples e replicáveis que contribuam com a justiça climática nesses territórios”, diz Pizarro, que criou um protótipo de adaptação climática na associação de moradores de Paraisópolis, usando tijolos vazados, para a passagem de ar.

A Prefeitura de São Paulo afirmou à Folha que, desde maio deste ano, realiza reuniões com a equipe da UrbVerde para a elaboração de um “atlas de temperatura”. Segundo a gestão, as informações compartilhadas pelos pesquisadores serão usadas como base para políticas públicas sustentáveis, “especialmente sobre o impacto da vegetação no controle da temperatura urbana”.

De acordo com a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a capital tem 54% de cobertura vegetal e, “para ampliar ainda mais a vegetação e enfrentar os efeitos das mudanças climáticas”, neste ano, 32 áreas verdes particulares foram declaradas como de utilidade pública.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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