Aulas particulares crescem em áreas pobres da Ásia – 23/09/2024 – Educação

Aulas particulares crescem em áreas pobres da Ásia – 23/09/2024 – Educação

A lição do filme “Repetente” (no título original, “12th Fail”), um recente sucesso de Bollywood sobre um jovem agricultor pobre, Manoj, determinado a passar no difícil concurso da polícia na Índia, é clara: perseverança leva à recompensa.

No entanto, para um filme sobre educação e meritocracia, a retratação das escolas indianas é desanimadora: fraudes facilitadas pelos professores são frequentes na escola local de Manoj. Seu sucesso, e o encontro com o amor, acontecem não na escola, mas em um lotado centro de aulas particulares em Nova Déli.

As aulas particulares são bem conhecidas no leste da Ásia. Exceto na China, a maioria dos estudantes da região recorre a elas: 72% em Hong Kong; 79% nas hagwons da Coreia do Sul; 52% dos alunos do ensino fundamental, na principal rede de cursinhos do Japão, os juku.

Na China, onde 38% dos estudantes (e 45% nas cidades) recebiam aulas particulares antes de uma repressão em 2021, muitos centros simplesmente migraram para a clandestinidade. Essas empresas, apesar de seus problemas, coexistem com sistemas educacionais altamente eficazes e bem financiados.

O caminho difícil

Agora, no entanto, as aulas particulares estão em ascensão em regiões mais pobres da Ásia. A escala é enorme. Embora os dados sejam dispersos e imprecisos, estimamos a prevalência dessas aulas no sul e sudeste asiático, excluindo Singapura, onde o sistema educacional é mais semelhante ao do leste asiático. De acordo com nossas estimativas, de países como Paquistão até a Indonésia, cerca de 258 milhões de crianças recebem aulas particulares.

O maior mercado está na Índia. Atualmente, 31% das crianças rurais indianas com menos de 15 anos fazem aulas particulares, em comparação a 23% em 2010; em alguns estados mais pobres, três em cada quatro crianças recorrem a elas. A receita fiscal dos centros de aulas particulares na Índia mais que dobrou desde 2019. Mesmo sem contar a Índia, ainda restam 131 milhões de crianças recebendo aulas particulares, segundo nossas estimativas.

O primeiro motivo para esse crescimento são as lacunas deixadas pelos sistemas formais de educação. Nas partes mais pobres da Ásia, o Estado muitas vezes luta para oferecer boas escolas. Neste século, à medida que o ensino primário se aproximou da universalidade, a proporção de crianças matriculadas no ensino secundário aumentou 24 pontos percentuais no sul da Ásia e 16 pontos no restante da Ásia, de acordo com o Banco Mundial. No entanto, nesse mesmo período, os gastos com educação como parcela do PIB estagnaram ou caíram em grande parte da região.

Isso levou a cortes nos salários dos professores e no fornecimento de livros didáticos em muitos locais. No Camboja, um dos países mais pobres da Ásia, estima-se que 82% dos alunos façam aulas particulares, geralmente com seus próprios professores, que buscam complementar a renda. As escolas acabam menos preparadas para oferecer bons resultados, e as piores entram em colapso. No entanto, muitos sistemas educacionais asiáticos classificam as crianças por meio de exames de alto risco. Assim, os pais recorrem a tutores.

Outro fator é a crescente competição social, impulsionada pelo crescimento da classe média e pela maior demanda por um número limitado de vagas nas universidades. A urbanização também desempenha um papel: crianças em cidades têm mais chances de receber aulas particulares do que as de áreas rurais, graças à maior oferta de tutores e melhor acesso à internet. Na Índia, onde as cidades ganharam 200 milhões de novos moradores em 20 anos, muitos pais recém-urbanizados acreditam que pagar por aulas particulares ajudará seus filhos a conseguir um emprego de classe média.

Em Déli, Mohammad Shahzad, supervisor de uma fábrica de geradores, paga 2.800 rúpias (US$ 33) por mês para que suas duas filhas recebam aulas particulares, um acréscimo de 30% às taxas escolares habituais. Os professores de suas filhas são competentes, mas Shahzad sente que, apesar do custo, vale a pena. “É como comer uma refeição: você sobrevive, mas com duas ou três, fica mais saudável”, afirma.

Por fim, há uma dinâmica de corrida armamentista. As aulas particulares são uma indústria de ansiedade: se os filhos dos seus vizinhos recebem aulas particulares e os seus não, eles correm o risco de ficar para trás. Isso vale tanto para sistemas rigorosos quanto para os que falham. A oferta de aulas online, impulsionada pela pandemia, facilitou a entrada nessa corrida.

Mesmo assim, a eficácia das aulas particulares apresenta resultados variados, segundo Mark Bray, especialista em educação privada na Ásia. Isso se deve em parte à enorme diversidade de programas. Um estudo em áreas rurais da Índia descobriu que estudantes com aulas particulares tiveram melhores notas em leitura e matemática, comparáveis a um ano extra de escola. Mas outras pesquisas, no Sri Lanka e na China, encontraram poucos ou nenhum efeito nos resultados.

Mais um tijolo no muro

Os custos das aulas particulares podem ser altos. Estudos mostram que algumas crianças dormem menos. Os estresses se estendem às finanças dos pais. Umesh Sharma, motorista particular em Déli, gasta 1.200 rúpias por mês para que seus dois filhos recebam aulas particulares: 4% da renda média mensal da cidade, o equivalente às mensalidades escolares. Em outras partes da Índia, é ainda pior. Em Bengala Ocidental, quase metade de todos os gastos com educação, públicos e privados, vai para aulas de reforço.

Uma grande preocupação é que, em alguns lugares, as aulas particulares estão corroendo o ensino público. No Nepal e no Camboja, professores de escolas retêm parte do currículo para suas próprias aulas pagas fora do horário escolar. O incentivo é claro: no Camboja, professores mal pagos que ofereciam aulas particulares dobraram seus salários.

Em Bihar, o estado mais pobre da Índia, uma pesquisa recente da ONG JJSS descobriu que dezenas de escolas públicas em ruínas haviam terceirizado quase inteiramente suas funções educacionais para centros privados. As escolas públicas foram reduzidas a “apenas fornecer uma refeição ao meio-dia e organizar exames”.

O que fazer?

A Coreia do Sul passou quatro décadas tentando, sem sucesso, reprimir as aulas particulares, até que tais esforços foram considerados inconstitucionais em 2000. Abordagens igualmente intervencionistas, como a repressão da China, apenas empurram o mercado para a clandestinidade.

Alguns governos são mais flexíveis: o ministério da educação da Tailândia afirma que “o Estado deve partir da suposição de que as aulas particulares não reduzem o bem-estar social”. Outros estão experimentando. Em resposta a uma recente onda de suicídios, o ministério da educação da Índia introduziu regras proibindo os grandes centros de reforço de matricular alunos com menos de 16 anos. As aulas particulares vieram para ficar, mas podem ser mais bem geridas.

Texto da The Economist, traduzido por Raíssa Basílio, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado aqui.

Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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