Tragédia antes, durante e após as aulas? – 20/09/2024 – Saúde em Público

Tragédia antes, durante e após as aulas? – 20/09/2024 – Saúde em Público

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Pedro Henrique Oliveira dos Santos. Este é o nome do estudante do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, que cometeu suicídio aos 14 anos de idade. O teste para saber se uma sociedade deu certo é medindo o quão bem ela protege suas crianças e adolescentes, e existem muitos indícios de que estamos falhando (e muito) enquanto coletividade. Exemplo disso é o vazamento em redes sociais dos áudios que Pedro Henrique enviou antes de tirar sua vida. Não sabemos lidar com o suicídio e, hoje, a sociedade pouco parece interessada em endereçar uma questão tão complexa – e que vem ganhando maiores proporções entre crianças e adolescentes – com a seriedade devida.

Não foi só bullying, foi racismo e homofobia

A legislação brasileira e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) definem o bullying como conduta de perseguição física e/ou psicológica realizada por um estudante contra outro, de forma negativa, contínua e intencional. O Atlas da Violência, de 2023, revelou aumento no número de estudantes que reportaram sofrer bullying, que passou de 30,9% em 2009 para 40,5% em 2019.

Poderia ser só bullying, mas negro e gay, Pedro Henrique também foi vítima do racismo e da homofobia. Precisamos ter cuidado para não amenizar a realidade da violência histórica e estrutural da qual Pedro Henrique foi vítima. Em 2016, o índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil chegou a ser 45% maior do que entre brancos. A faixa etária de 10 a 29 anos, em que Pedro estava, foi a que mais sofreu, principalmente os do sexo masculino, que apresentaram chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade, segundo dados do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília (UnB).

O suicídio é um fenômeno multifatorial e, por isso, as ações adotadas para sua prevenção também devem observar os diferentes aspectos que contribuem para que ele ocorra: problemas nas relações interpessoais, situações de violações de direitos, fragilidade da rede de apoio (familiar e comunitária), fragilidade da rede de proteção social (dispositivos institucionais), entre outros. Afinal, não há medicação que resolva os impactos causados por violências como o racismo e a homofobia.

O sofrimento faz parte da nossa existência, mas o racismo, a homofobia e o bullying são produtos de uma sociedade que tem optado por valores opostos ao cuidado um com outro e ao acolhimento, correspondendo a uma lógica autoritária, individualista, e que não se interessa pelo coletivo. A nossa sociedade tem escolhido aniquilar as diferenças e as diversidades.

As escolas são responsáveis por proteger seus estudantes e suas subjetividades

Entre os diversos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente que apontam a responsabilidade coletiva em proteger esses sujeitos, cabe destaque para o artigo 18º, que estabelece que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”. É dever de todos. E é inadmissível que crianças e adolescentes sofram qualquer tipo de violência nas escolas. As escolas fazem parte do Sistema de Garantias de Direito de Crianças e Adolescentes e têm um papel fundamental na promoção dos direitos previstos no ECA.

Quando defendemos saúde mental nas escolas estamos defendendo que seja cumprido seu papel de instituição promotora de mudança social. As escolas devem formar pessoas capazes de lidar com as adversidades da vida – isso também é saúde mental. Mas, para além disso, devem ser acolhedoras com as diversidades. Ao não cumprir seu papel, as escolas também podem ser adoecedoras – quando, por exemplo, são omissas em situações de bullying, racismo e homofobia. A promoção de saúde mental no ambiente escolar começa pela necessidade de garantir que a escola seja um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso para todas as crianças e adolescentes. E, nisso, as escolas possuem ainda mais responsabilidade em um mundo cada vez mais marcado pela intolerância e pelo ódio na internet, disseminado em grande volume e velocidade.

Garantir a atuação de psicólogos nas escolas é apenas uma entre tantas ações necessárias para avançarmos na proteção da comunidade escolar. Problemas complexos exigem respostas complexas. Da mesma forma, promover “ações de saúde mental nas escolas”, de forma genérica e sem intencionalidade, pode inclusive provocar resultados opostos àqueles esperados, como gerar sofrimento e adoecimento da comunidade escolar. Por isso, o Governo Federal precisa avançar na implementação da Lei de Saúde Mental nas Escolas, que prevê atividades articuladas do Programa Saúde na Escola com a Rede de Atenção Psicossocial do SUS e também com o SUAS – o Sistema Único de Assistência Social. Enquanto isso, estados e municípios estão implementando a Lei sem que haja orientações sobre o conteúdo que deve ser trabalhado com a comunidade escolar, por exemplo.

Existe um efeito global de boom de autodiagnósticos, principalmente por adolescentes, que estão numa fase marcada pela busca da identidade própria, mas procurando ser encaixados em determinadas doenças ao invés de hobbies, por exemplo. Nesse contexto, a exposição desmedida e descuidada de casos como o de Pedro Henrique, especialmente na “cultura do like” a qual estamos inseridos, impede uma possível abordagem responsável sobre o tema. Falhamos novamente.

Depois que começamos a usar carros e acidentes começaram surgir, sistemas de trânsito e vigilância foram criados, assim como foi inventado o cinto de segurança e sua obrigatoriedade, airbags e testes de colisão. O sofrimento pelo qual uma pessoa passa não é visível como as consequências de um acidente de trânsito. Mas a abstração que o conceito de saúde mental pode trazer não deve impedir que ações reais se materializem. Políticas públicas de saúde mental nas escolas são tão reais quanto a dor de quem perdeu Pedro, como roupas que ficaram para trás, sua escova de dentes e alguns cadernos. Quantos suicídios são necessários para começarmos a proteger de verdade nossas crianças e adolescentes?

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Dayana Rosa é Administradora Pública, Doutora em Saúde Coletiva e gerente do Programa de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS); Angelica Duarte é Assistente Social e Especialista no Programa de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes do IEPS; Filipe Asth é Psicólogo, Doutor em Políticas Públicas e Secretário Executivo da Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental; e  Rebeca Freitas é Cientista Social, especialista em Direito Sanitário e Diretora de Relações Institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).


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Fonte Original do Artigo: redir.folha.com.br

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