
Livro expõe ataques à imprensa que transcendem ideologia – 26/07/2025 – Poder
- Política
- 26/07/2025
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A violência contra jornalistas no Brasil não se limita a um lado do espectro político, transcende a ideologia e encontra eco da direita à esquerda. Essa é uma das conclusões de João Paulo Saconi, 29, autor do livro “Vocês da Imprensa”, que explora como a hostilidade contra a mídia se intensificou a partir de 2013.
A obra de 192 páginas é uma adaptação e atualização do trabalho elaborado para o mestrado na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), reconhecido como a melhor dissertação de 2023 em uma premiação da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação).
O livro reúne dados de uma pesquisa com 203 jornalistas, traça perfis de vítimas de violência e destaca como o exercício da profissão tem sido sufocado por ataques, ameaças, linchamentos virtuais e tentativas de silenciamento, com impactos sobre a liberdade de expressão e o acesso à informação pública.
Uma das ideias apresentadas é que as hostilidades vêm dos dois lados. “A violência contra a imprensa acontece e continua acontecendo porque, dos dois lados da polarização que o Brasil vive hoje, existe uma predisposição a achar que o jornalismo ou o jornalista, enquanto profissional e enquanto classe, fazem movimentos que não estão de acordo com o que essas ideologias políticas acreditam”, diz Saconi.
Segundo ele, quando se sentem contrariadas pelas investigações e debates promovidos pelo jornalismo, essas organizações se voltam contra a mídia. Partidos políticos, movimentos sociais, militantes e cidadãos anônimos, sobretudo nas redes sociais, se sentem à vontade para atacar jornalistas e deslegitimar seu trabalho.
A obra parte de um lugar pessoal. Saconi foi alvo de uma série de ataques, sendo o mais marcante deles após a publicação de uma reportagem na revista Época sobre a atuação como coach de uma nora de Jair Bolsonaro em 2019 que incomodou o então presidente, sua família e seus apoiadores.
O objetivo da pauta era analisar o conteúdo das sessões online ministradas por ela sob uma ótica do jornalismo político e de comportamento. Como relata o livro, as conversas envolveram temas políticos, por vezes tangenciando a articulação de Eduardo Bolsonaro, marido dela, para se tornar embaixador nos Estados Unidos.
O jornalista teve foto e nome expostos pela militância bolsonarista, acompanhados de falsas acusações sobre sua condição de saúde e orientação sexual. Ele recebeu uma enxurrada de insultos: “Vagabundo”, “pilantra”, “lixo”, “viadim”, “psicopata”. A agressividade era amplificada por blogueiros e figuras políticas.
“Essa violência impacta meu cotidiano até hoje, até porque, como conto no livro, ela continua acontecendo em alguns momentos. Essas mesmas pessoas, que lá atrás faziam esses comentários, continuam aparecendo”, diz Saconi à Folha.
Além da própria memória, Saconi retrata episódios emblemáticos a partir de 2013, quando teve início um recrudescimento da violência contra jornalistas. Ele recupera as histórias de Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, Santiago Andrade, Luiz Fara Monteiro, Vera Magalhães, Renato Alves, Natuza Nery e Raquel Landim.
O estudo identificou que uma das consequências dos ataques à imprensa é a autocensura. Jornalistas deixam de escrever sobre determinados temas para evitar agressões. Parte dos entrevistados relatou não se sentir segura para usar o crachá, e outra evita revelar que é jornalista em situações do dia a dia.
O público, por sua vez, também acaba prejudicado na medida em que esse jornalista não se sente seguro para fazer a reportagem dele, afirma o autor. De acordo com o escritor, quando não há liberdade para o exercício da profissão, a informação pode ser mais limitada, menos ampla e menos aprofundada.
“A consequência surge de maneira silenciosa, mas, ao mesmo tempo, estridente. Embora não vamos olhar o jornal e sentir falta daquilo que poderia estar lá, como acontecia, por exemplo, na época da ditadura militar (…), podemos nos deparar com um movimento mais gradativo, em que jornalistas escolhem parar de falar sobre determinados assuntos.”