Tarifaço expõe fragilidade do Brasil nas negociações com os EUA

Tarifaço expõe fragilidade do Brasil nas negociações com os EUA

O anúncio de uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras para os Estados Unidos, a partir de 1º de agosto, por parte do presidente Donald Trump, acendeu um sinal de alerta na diplomacia e na economia do Brasil. Longe de ser um episódio isolado, o tarifaço de Trump revela uma teia complexa de desafios que posicionam o país em uma situação de vulnerabilidade, com poucas e intrincadas saídas.

A tese central, de acordo com analistas, é que o Brasil se encontra em um dilema que exige pragmatismo e habilidade, dadas as limitações de sua influência em Washington, a ausência de “carta branca” para retaliações unilaterais e um recuo estratégico do governo após um período de retórica mais dura, complementado por iniciativas parlamentares que buscam o diálogo direto.

A ausência de aliados estratégicos: o vazio diplomático em Washington

Um dos pilares da atual vulnerabilidade brasileira reside na notória falta de aliados influentes e canais de negociação diretos e robustos em Washington. Em um cenário onde a proximidade política e as redes de lobby podem moldar decisões comerciais, o Brasil parece operar em desvantagem.

Oliver Stuenkel, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), é taxativo ao afirmar que o Brasil “não tem uma super operação em Washington que possa ser acionada a curto prazo”.

Mais do que isso, a ausência de “senadores americanos que sejam amigos do Brasil e que possam ligar para Trump e negociar” é um contraste gritante com a realidade de países como Israel ou México, que possuem essa prerrogativa.

Brasil tem baixa importância comercial para os EUA

A carência de interlocutores políticos de alto escalão é agravada pela percepção da baixa importância comercial do Brasil para os Estados Unidos. Segundo William Castro Alves, estrategista-chefe da plataforma de investimentos internacionais Avenue, o Brasil é apenas o 15º maior parceiro comercial dos EUA, o que diminui drasticamente o impacto de medidas tarifárias em sua economia.

“A importância do Brasil para os Estados Unidos é bastante reduzida. Essa é a verdade. O impacto para a economia americana é muito baixo”, analisa Alves. Isso significa que o “tarifaço” não gerou uma repercussão significativa no mercado americano, nem pressão suficiente sobre a Casa Branca para forçar uma negociação direta e prioritária com o governo brasileiro.

Vácuo diplomático: indústria americana pode favorecer negociações

Diante desse vácuo diplomático oficial, a esperança brasileira recai, paradoxalmente, sobre o setor privado norte-americano. A estratégia emergente é mobilizar empresas e governos estaduais dos EUA que serão diretamente afetados pela alta dos preços dos produtos brasileiros.

Oliver Stuenkel destaca que a “mobilização do setor privado americano será fundamental” e que a diplomacia brasileira deve atuar para coordenar esse movimento em busca de alternativas à tarifação. Estados como Flórida, Geórgia, Michigan, Ohio e Texas, onde a construção civil, a manufatura e os setores de alimentos e bebidas dependem de insumos brasileiros, já demonstram expectativa de mobilização.

Produtores e compradores de café se adiantaram na busca de soluções para tarifaço de Trump

Setores específicos, como o do café, já estão se adiantando. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e a National Coffee Association (NCA), entidade norte-americana que representa torrefadores e varejistas, buscam uma solução negociada.

O objetivo é incluir o café em uma lista de exceções às tarifas, argumentando que o produto não é produzido nos Estados Unidos, que são o maior comprador mundial da commodity. No primeiro semestre deste ano, as vendas de café para os EUA somaram US$ 1,2 bilhão, um sexto de todo o comércio exterior do agronegócio com o país.

Stuenkel reitera que a reversão total das tarifas é uma visão equivocada; a indústria americana tende a negociar isenções específicas ou cotas, e não uma revogação ampla. Essa dependência da pressão interna dos EUA evidencia a limitação dos canais diretos do Brasil e sua posição de relativa fraqueza na mesa de negociações.

Lula sem “carta branca”: as amarras da Lei de Reciprocidade e as regras do Mercosul

Apesar da postura inicial de enfrentamento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não possui “carta branca” para retaliar os Estados Unidos com a publicação do decreto que regulamenta a Lei de Reciprocidade Econômica.

Embora a lei preveja a adoção de medidas de retaliação em disputas comerciais, sua regulamentação impõe critérios objetivos e processos que mitigam qualquer ação unilateral impulsiva.

Roberta Portella, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), diz que o decreto estabelece “mecanismos técnicos, jurídicos e diplomáticos prévios”, como a “tentativa de negociação, a consulta ao setor afetado e, se necessário, a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC)”.

Isso significa que, ao contrário do que poderia parecer, o caminho da retaliação está pavimentado com exigências de fundamentação técnica e respeito aos procedimentos multilaterais.

A adoção de medidas provisórias ou definitivas, como a suspensão de concessões tarifárias, restrições a investimentos estrangeiros ou retirada de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual, deve sempre ocorrer dentro dos limites estabelecidos pelo sistema internacional.

Comitê irá deliberar sobre contramedidas

A regulamentação também criou o Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, responsável por deliberar e acompanhar as negociações.

Apesar de o tributarista Leandro Roesler afirmar que a regulamentação “dinamiza a tomada de contramedidas”, permitindo a aprovação direta de respostas provisórias pelo comitê, e o advogado Marco Antônio Ruzene dizer que o decreto autoriza o Executivo a adotar “quase que imediatamente” contramedidas, as salvaguardas internas e as regras internacionais ainda impõem um freio.

O principal limitador à retaliação vem das regras comerciais do Mercosul. Renata Emery, co-head da área tributária de TozziniFreire Advogados, é categórica ao afirmar que o governo brasileiro “nem sequer poderia adotar tal medida” de tarifas recíprocas em razão das normas do bloco.

O Brasil, como membro do Mercosul, deve obedecer aos ritos de aprovação dos membros do bloco para aumentar o imposto de importação, inclusive para exceções à tarifa externa comum. “Por este motivo, o Brasil não tem a flexibilidade para alterar unilateralmente as alíquotas do imposto de importação”, explica Emery.

Além disso, as alíquotas de Imposto de Importação (II) e outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), são adotadas de maneira uniforme por produto, sem discriminar qualquer país. Isso inviabiliza a ameaça inicial de Lula de “cobrar 50% deles” se Trump cobrasse 50% de nós, e expõe a falta de autonomia do Brasil para uma resposta direta e agressiva em termos tarifários.

Retaliação a tarifaço de Trump poderia custar caro ao Brasil

Além das amarras legais, a própria viabilidade econômica da retaliação é questionada. Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, alerta que uma estratégia de quebra de patentes ou softwares, por exemplo, poderia gerar “preocupações sobre a segurança jurídica e a previsibilidade do ambiente de negócios no Brasil”.

Investidores buscam estabilidade e proteção de ativos; medidas abruptas ou não transparentes poderiam “desencorajar investimentos estrangeiros, aumentando o clima de incerteza e instabilidade jurídica”.

Segundo William Castro Alves, da Avenue, a experiência internacional mostra que países que adotaram retaliação tarifária “apenas escalaram” a disputa, sem conseguir revertê-la de forma eficaz.

“Ficou claro que buscar a reciprocidade ou também tarifar os EUA não foi uma estratégia inteligente para quem tentou isso”, afirma Alves. Essa análise reforça a tese de que Lula não tem “carta branca” porque as opções de retaliação são limitadas, complexas e, em muitos casos, contraproducentes, tornando o Brasil mais vulnerável a uma escalada de danos econômicos.

O recuo estratégico: da “bravata” à busca pelo diálogo e negociação

A postura inicial do governo brasileiro diante do “tarifaço” de Trump foi marcada por uma retórica de enfrentamento, que rapidamente cedeu lugar a um tom mais conciliatório e pragmático. No dia seguinte ao anúncio, o presidente Lula, em entrevista à TV Record, afirmou que “se ele cobrar 50% de nós, vamos cobrar 50% deles”, em um claro sinal de “bravata” e enfrentamento.

O governo chegou a sinalizar possíveis retaliações na área de propriedade intelectual, cogitando quebras de patentes e softwares. No entanto, essa postura agressiva foi prontamente substituída por uma busca ativa por negociação.

O vice-presidente Geraldo Alckmin demonstrou essa mudança de rota ao realizar na terça (15) uma reunião com representantes do setor empresarial afirmando que o governo trabalha para reverter as tarifas. A manutenção do tarifaço do jeito que está poderia gerar perdas de US$ 23 bilhões, segundo estimativas da XP Investimentos.

“O que nós ouvimos aqui foi negociação, ou seja, um empenho para rever, o que coincide com a proposta do governo brasileiro e do presidente Lula. Foi colocado que o prazo é exíguo. O prazo é curto. De que nós deveríamos trabalhar pela sua dilação”, disse Alckmin, sinalizando a disposição para dialogar e o reconhecimento da urgência.

Agro e indústria pressionaram por negociação e mais prazo para discutir tarifaço de Trump

Esse recuo estratégico veio na esteira de uma intensa pressão da indústria e do agronegócio brasileiros. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, solicitou ao governo que intercedesse junto aos Estados Unidos para obter um adiamento mínimo de 90 dias na aplicação das tarifas. O pedido foi formalizado em uma reunião virtual com a participação da secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Lacerda Prazeres, e presidentes das federações industriais de todo o país.

Essa união do setor produtivo em torno da negociação reforçou a percepção de que a retaliação seria “contraproducente” e um “tiro pela culatra”, prejudicando mais o próprio Brasil do que as tarifas americanas.

Governo envia carta buscando negociar com os EUA

Confirmando o novo tom, o governo Lula enviou nesta quarta (16) uma carta ao governo americano, por meio da embaixada brasileira, assinada por Alckmin e pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

A correspondência propõe a retomada do diálogo e das rodadas técnicas de negociação bilateral, endereçada a Howard Lutnick, chefe do Departamento de Comércio, e ao embaixador Jamieson Greer, Representante Comercial dos EUA (USTr). Esse movimento é uma admissão clara de que o caminho mais viável, e talvez o único, é a diplomacia e a negociação, abandonando a ideia de uma resposta de força.

Alckmin também sinalizou que o governo conta com a pressão dos setores econômicos nacionais, incentivando os empresários brasileiros a procurar seus pares nos Estados Unidos para trabalharem juntos na reversão das tarifas.

O apoio do empresariado americano, como a Câmara de Comércio dos Estados Unidos (US Chamber) e a Câmara Americana de Comércio do Brasil (Amcham Brasil), que emitiram uma nota conjunta pedindo “engajamento de alto nível” dos governos, é visto como um pilar fundamental para mitigar os danos.

Esse cenário de um governo que inicialmente bradou, mas que agora busca o diálogo e se apoia na pressão do setor privado, ilustra a limitada gama de opções do Brasil e sua necessária adaptação à realidade da vulnerabilidade.

As “caravanas” parlamentares: um gesto diplomático em busca de soluções para o tarifaço de Trump

Em paralelo à mudança de postura do Executivo, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal planejam o envio de “caravanas” de congressistas aos Estados Unidos para discutir a tarifa de 50%. Essa iniciativa parlamentar é mais um reflexo da busca por canais de diálogo e de uma política externa “madura” e “pragmática”, conforme a justificativa apresentada pelos próprios idealizadores.

No Senado, a Comissão de Relações Exteriores está à frente da articulação da “caravana”, que se encontra em estágio mais avançado do que a da Câmara. A movimentação é fruto de uma indicação de Gabriel Escobar, encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, que se encontrou com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

O objetivo da viagem é que os integrantes da comitiva encontrem soluções para a crise tarifária junto a autoridades em Washington, embora a missão só deva se concretizar em setembro, depois da aplicação das tarifas em 1º de agosto. O atraso na materialização dessas missões sublinha o caráter reativo e a dificuldade de uma ação proativa e preventiva mais rápida.

Na Câmara, a ação é liderada pelo deputado Ronaldo Nogueira (Republicanos-RS), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. Ele protocolou o pedido de criação de uma “comissão externa” para atuar junto ao governo Trump e ao Congresso americano, buscando a reavaliação da decisão presidencial. O grupo previsto seria composto por oito parlamentares.

A justificativa de Nogueira para a iniciativa é bastante reveladora da percepção de vulnerabilidade do Brasil: “Em tempos de globalização e interdependência, o Brasil precisa de uma política externa madura, centrada em princípios e não em polarizações”.

Fonte Original do Artigo: www.gazetadopovo.com.br

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